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A Dignidade da Diferença


A dignidade da diferença é mais do que uma ideia religiosa; é o tema geral que liga os fios da tese que exponho nos capítulos seguintes. Em grande medida, a modernidade deveria ser a marcha triunfal de um único grupo de ideias interligadas. O seu modelo era a ciência e o seu discurso, a razão desprovida dos acréscimos da tradição. Geraria riqueza por meio das trocas do mercado e pela divisão do trabalho, conquistaria a natureza por intermédio da industrialização e da tecnologia e maximizaria a felicidade por meio de cálculos utilitários. O mundo se tornaria uma gigantesca máquina de produção de satisfação, criando quantidades cada vez maiores daquela medida de todas as coisas chamada “progresso”. É um mito nobre, mas radicalmente inadequado à condição humana, que ainda sobrevive entre os fundamentalistas do mercado e os que acreditam que a desregulamentação máxima em todas as esferas da  atividade humana produzirá, sozinha, aquilo que Leibniz acreditava ser o reino de Deus e que tudo estaria bem e no
melhor dos mundos.

Minha proposta é de um modelo e de uma metáfora diferentes. O mundo não é uma máquina simples, mas um ecossistema complexo e interativo no qual a diversidade – biológica, pessoal, cultural e religiosa – é parte da essência. Reduzir essa diversidade por meio das muitas formas de fundamentalismo hoje existentes – de mercado, científico ou religioso –resultaria no empobrecimento do tecido da nossa vida comum, uma eventual catástrofe que limitaria os horizontes das possibilidades.

A natureza e as sociedades, as economias e as políticas construídas pelos homens são sistemas de complexidade organizada e é isso que as torna criativas e imprevisíveis. Portanto, qualquer tentativa de lhes impor uma uniformidade artificial em nome de uma única cultura ou crença revela a trágica incompreensão das condições necessárias para q um sistema florescer.

Porque somos diferentes cada um de nós tem algo de único com o que contribuir, e todas as contribuições contam. Um instinto primitivo que remonta ao passado tribal da humanidade nos faz olhar a diferença como uma ameaça e um instinto sem sentido numa  época em que todos os diversos destinos estão tão interligados. Curiosamente é o mercado – o contexto menos abertamente espiritual – que transmite uma mensagem profundamente espiritual de que é por meio da troca que a diferença se torna  uma bênção, e não uma maldição. Quando a diferença leva à guerra ambos os lados perdem,  mas quando provoca um enriquecimento mútuo ambos ganham.

As crises ocorrem quando tentamos responder aos desafios de hoje com conceitos do passado. Por isso, é necessária uma mudança de paradigma para evitar que a era de globalização se torne cenário de guerras intermitentes, mas destrutivas. Falo a partir da tradição judaica, mas cada um de nós, nas nossas tradições religiosas ou seculares tem de aprender a escutar e a estar preparado para ser surpreendido pelos outros. Temos de estar abertos às suas histórias que podem entrar em conflito com as nossas. Às vezes temos de estar disponíveis para ouvir os seus sofrimentos, humilhações e ressentimentos e descobrir que a imagem
que elas têm de nós é tudo menos a imagem que nós temos de nós mesmos.

Precisamos aprender a arte de dialogar da qual emerge a verdade, não como, nos diálogos socráticos, desmentindo a falsidade, mas, por meio do modo bem diferente, de permitir ao nosso mundo ser enriquecido pela  presença de outros que pensam, agem e interpretam a realidade de maneira radicalmente oposta à nossa.

Precisamos dar atenção ao particular, e não apenas ao universal. Quando as civilizações universais entram em choque, o mundo estremece e se perdem vidas. Há muitas culturas, civilizações e crenças, mas Deus nos deu um mundo somente para nele vivermos juntos e esse mundo se torna cada vez menor.

Rabino Lord Jonathan Sacks

Extraído do livro:
A Dignidade da Diferença
Como evitar o choque entre as civilizações
do Rabino Lord Jonathan Sacks

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