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Alguns pentecostais andam preocupados com o movimento crescente de aproximação do pentecostalismo com o calvinismo. Na minha opinião, essa inquietação é totalmente desnecessária. E, neste artigo, quero apresentar que, ao contrário, esse diálogo entre as duas correntes é saudável e encorajador, pois torna as duas tradições mais ricas teologicamente.
Não escrevo isso em causa própria, pois não sou calvinista. Aliás, tenho sérias dificuldades com o calvinismo, pois creio na possibilidade da apostasia, no livre-arbítrio e na resistência de alguns à graça de Deus. Não tenho tempo neste post para afirmar as minhas posições contrárias ao calvinismo, mas ainda assim sou um ávido leitor de Teologia Reformada mesmo não sendo um adepto dessa teologia.
Hoje sou adepto da Teologia da Antinomia, ou seja, creio que duas posições aparentemente excludentes são compatíveis. Como assim? Ora, isso porque são questões que estão além do nosso alcance racional. Nesse sentido, creio que Deus é plenamente Soberano e que o homem é, ao mesmo tempo, plenamente livre. Creio que Deus predestinou e elegeu, mas que ainda assim somos agentes livres. Sim, seria um híbrido de calvinismo e arminianismo ou algo assim...
Leia atentamente 2 Pedro 1.3-9 e veja expressões como que Deus é aquele que “deu tudo de que necessitamos para a vida e para a piedade” (calvinismo), mas exorta-nos assim: “empenhe-se para acrescentar à sua fé a virtude...” (arminianismo). Diante de um texto como Filipenses 2.12-13 eu tenho dificuldades de ser um calvinista ou arminiano militante. Diz Paulo: “Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas em minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, (arminianismo) pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele (calvinismo)”. O que Paulo diz parece contraditório, mas é apenas a antinomia bíblica.
C. S. Lewis, comentando esse texto, afirmou:
Talvez sejam apenas nossos pressupostos que tornem esse raciocínio paradoxal. em nosso secularismo, partimos do princípio de que a ação divina e a humana são mutuamente excludentes, tal como as ações de criaturas da mesma espécie, de modo que “Deus fez isto” e “eu fiz aquilo” não podem ambas verdades do mesmo ato, exceto no sentido de que cada um teve sua participação. [1]
Por que dialogo com os calvinistas mesmo não sendo um deles?
Já afirmei algumas vezes que abraço com entusiasmo o neocalvinismo na sua interpretação e no exercício comunicacional do Evangelho. Os pastores reformados como Timothy Keller e Mark Driscoll, por exemplo, representam bem o que quero dizer com a “comunicação neocalvinista”. Esse novo calvinismo procura entender bem a cultura contemporânea ao mesmo tempo que apresenta o bom e velho Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo. Admiro bastante essa transição entre a comunicação com a cultura sem renunciar aos valores das Boas Novas. Não é à toa que o neocalvinismo crença com força entre os jovens enquanto os “emergentes da vanguarda” fazem sucesso entre senhores de meia-idade.
Os neocalvinistas fazem o mesmo papel de evangelismo cultural que os anglicanos evangelicais faziam décadas passadas. Assim como os teólogos da Igreja da Inglaterra, esses novos reformados aprofundam o conhecimento cultural e, ao mesmo tempo, oferecem respostas bíblicas sem o simplismo maniqueísta do fundamentalismo protestante. Além disso, sabem bem que as gerações mudam e não se fecham em guetos ultraconservadores contra mudanças inevitáveis. Eles também entendem que o cristianismo precisa viver a tensão equilibrada da tradição com as mudanças que o tempo impõe.
Outro ponto que abraço da Teologia Reformada é a conceituação de santificação. A santificação wesleyana/arminiana/ pentecostal e suas manifestações populares tendem a nos levar a um esforço moralista como apêndice da salvação ou coloca-nos (nosso esforço) como a própria essência da salvação. Não estou acusando o arminianismo de pelagianismo, pois isso seria um baita exagero, mas existe uma tendência ao moralismo como centro salvífico. O calvinismo sempre condenou essa tendência.
O debate sobre a santificação é sutil e aparenta ser um consenso na teologia cristã, mas há diferenças conceituais importantes [2]. Mas os reformados nos alertam sobre o grande perigo do Evangelho Moralista. É um alerta quase ausente nas demais tradições cristãs, especialmente no pentecostalismo e no catolicismo popular. O Evangelho Moralista é basicamente a crença, mesmo que subconsciente, que eu preciso fazer para ser. Nisso, um legalista pentecostal une-se a um liberal bultmanniano, pois enquanto o primeiro confunde santificação com um esforço no campo sexual, por exemplo, o segundo confunde salvação com ativismo social. Ao mesmo tempo sabemos que o remédio ao Evangelho Moralista não é a ausência de leis (antinomismo), mas saber que quem opera a santificação é a ação da graça de Deus por intermédio do Espírito Santo.
Neste semana, por exemplo, eu li um texto que me deixou espantado. Um pastor pentecostal rejeitava com veemência a doutrina do pecado original e se posicionava como um pelagiano. Ele até chamou Agostinho de herege. E quando lia o artigo eu lembrei do que G. K. Chesterton escreveu: "Certos novos teólogos questionam o pecado original, que constitui a única parte da teologia cristã que pode realmente ser provada" [3]. E é até espantoso que tal concepção não cause escândalo no nosso meio. E aí o calvinismo poderia nos ajudar. Nesse momento precisamos mergulhar em mais doutrinas da graça.
Conclusão
Portanto, conversar com autores reformados só me faz bem. Isso não me tornou um calvinista, mas se assim tivesse acontecido isso não teria sido um problema. Conversar com calvinistas ajudou-me a ver a conexão saudável entre a cultura e o Evangelho. Conversar com calvinistas ajudou-me a rejeitar o moralismo como Evangelho. Conversar com calvinistas ajudou-me a considerar suas críticas a um Evangelho que se resume a um ativismo social ou uma busca pelo perfeccionismo inexistente ou uma terapia de autoajuda.
É um perigo a conexão de pentecostais com calvinistas? Não. E eu desejo que os pentecostais também dialoguem e aprendam com outras escolas: os Pais da Igreja, a Teologia Medieval, a Reforma Protestante, o Calvinismo, o Arminianismo, o Puritanismo, o Movimento de Avivamento, o Movimento de Santidade, o Wesleyanismo, o Evangelicalismo, o Anglicanismo, o Novo Calvinismo, a erudição Católica etc. E, é claro, quero que as demais tradições cristãs também aprendam conosco.
Gutierres Fernandes Siqueira
Referências Bibliográficas:
[1] LEWIS, C. S. Oração: Cartas a Malcolm: Reflexões sobre o diálogo íntimo entre homem e Deus. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2009. p 66.
[2] Para esse debate sobre perspectivas diferentes a respeito da santificação, leia: GUNDRY, Stanley (ed.) Cinco Perspectivas sobre a Santificação. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2006.
[3] CHESTERTON, Gilbert K. Ortodoxia. 1 ed. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2008. p 27.
Pentecostais com Calvinistas. Motivo de preocupação?
Alguns pentecostais andam preocupados com o movimento crescente de aproximação do pentecostalismo com o calvinismo. Na minha opinião, essa inquietação é totalmente desnecessária. E, neste artigo, quero apresentar que, ao contrário, esse diálogo entre as duas correntes é saudável e encorajador, pois torna as duas tradições mais ricas teologicamente.
Não escrevo isso em causa própria, pois não sou calvinista. Aliás, tenho sérias dificuldades com o calvinismo, pois creio na possibilidade da apostasia, no livre-arbítrio e na resistência de alguns à graça de Deus. Não tenho tempo neste post para afirmar as minhas posições contrárias ao calvinismo, mas ainda assim sou um ávido leitor de Teologia Reformada mesmo não sendo um adepto dessa teologia.
Hoje sou adepto da Teologia da Antinomia, ou seja, creio que duas posições aparentemente excludentes são compatíveis. Como assim? Ora, isso porque são questões que estão além do nosso alcance racional. Nesse sentido, creio que Deus é plenamente Soberano e que o homem é, ao mesmo tempo, plenamente livre. Creio que Deus predestinou e elegeu, mas que ainda assim somos agentes livres. Sim, seria um híbrido de calvinismo e arminianismo ou algo assim...
Leia atentamente 2 Pedro 1.3-9 e veja expressões como que Deus é aquele que “deu tudo de que necessitamos para a vida e para a piedade” (calvinismo), mas exorta-nos assim: “empenhe-se para acrescentar à sua fé a virtude...” (arminianismo). Diante de um texto como Filipenses 2.12-13 eu tenho dificuldades de ser um calvinista ou arminiano militante. Diz Paulo: “Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas em minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, (arminianismo) pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele (calvinismo)”. O que Paulo diz parece contraditório, mas é apenas a antinomia bíblica.
C. S. Lewis, comentando esse texto, afirmou:
Talvez sejam apenas nossos pressupostos que tornem esse raciocínio paradoxal. em nosso secularismo, partimos do princípio de que a ação divina e a humana são mutuamente excludentes, tal como as ações de criaturas da mesma espécie, de modo que “Deus fez isto” e “eu fiz aquilo” não podem ambas verdades do mesmo ato, exceto no sentido de que cada um teve sua participação. [1]
Por que dialogo com os calvinistas mesmo não sendo um deles?
Já afirmei algumas vezes que abraço com entusiasmo o neocalvinismo na sua interpretação e no exercício comunicacional do Evangelho. Os pastores reformados como Timothy Keller e Mark Driscoll, por exemplo, representam bem o que quero dizer com a “comunicação neocalvinista”. Esse novo calvinismo procura entender bem a cultura contemporânea ao mesmo tempo que apresenta o bom e velho Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo. Admiro bastante essa transição entre a comunicação com a cultura sem renunciar aos valores das Boas Novas. Não é à toa que o neocalvinismo crença com força entre os jovens enquanto os “emergentes da vanguarda” fazem sucesso entre senhores de meia-idade.
Os neocalvinistas fazem o mesmo papel de evangelismo cultural que os anglicanos evangelicais faziam décadas passadas. Assim como os teólogos da Igreja da Inglaterra, esses novos reformados aprofundam o conhecimento cultural e, ao mesmo tempo, oferecem respostas bíblicas sem o simplismo maniqueísta do fundamentalismo protestante. Além disso, sabem bem que as gerações mudam e não se fecham em guetos ultraconservadores contra mudanças inevitáveis. Eles também entendem que o cristianismo precisa viver a tensão equilibrada da tradição com as mudanças que o tempo impõe.
Outro ponto que abraço da Teologia Reformada é a conceituação de santificação. A santificação wesleyana/arminiana/ pentecostal e suas manifestações populares tendem a nos levar a um esforço moralista como apêndice da salvação ou coloca-nos (nosso esforço) como a própria essência da salvação. Não estou acusando o arminianismo de pelagianismo, pois isso seria um baita exagero, mas existe uma tendência ao moralismo como centro salvífico. O calvinismo sempre condenou essa tendência.
O debate sobre a santificação é sutil e aparenta ser um consenso na teologia cristã, mas há diferenças conceituais importantes [2]. Mas os reformados nos alertam sobre o grande perigo do Evangelho Moralista. É um alerta quase ausente nas demais tradições cristãs, especialmente no pentecostalismo e no catolicismo popular. O Evangelho Moralista é basicamente a crença, mesmo que subconsciente, que eu preciso fazer para ser. Nisso, um legalista pentecostal une-se a um liberal bultmanniano, pois enquanto o primeiro confunde santificação com um esforço no campo sexual, por exemplo, o segundo confunde salvação com ativismo social. Ao mesmo tempo sabemos que o remédio ao Evangelho Moralista não é a ausência de leis (antinomismo), mas saber que quem opera a santificação é a ação da graça de Deus por intermédio do Espírito Santo.
Neste semana, por exemplo, eu li um texto que me deixou espantado. Um pastor pentecostal rejeitava com veemência a doutrina do pecado original e se posicionava como um pelagiano. Ele até chamou Agostinho de herege. E quando lia o artigo eu lembrei do que G. K. Chesterton escreveu: "Certos novos teólogos questionam o pecado original, que constitui a única parte da teologia cristã que pode realmente ser provada" [3]. E é até espantoso que tal concepção não cause escândalo no nosso meio. E aí o calvinismo poderia nos ajudar. Nesse momento precisamos mergulhar em mais doutrinas da graça.
Conclusão
Portanto, conversar com autores reformados só me faz bem. Isso não me tornou um calvinista, mas se assim tivesse acontecido isso não teria sido um problema. Conversar com calvinistas ajudou-me a ver a conexão saudável entre a cultura e o Evangelho. Conversar com calvinistas ajudou-me a rejeitar o moralismo como Evangelho. Conversar com calvinistas ajudou-me a considerar suas críticas a um Evangelho que se resume a um ativismo social ou uma busca pelo perfeccionismo inexistente ou uma terapia de autoajuda.
É um perigo a conexão de pentecostais com calvinistas? Não. E eu desejo que os pentecostais também dialoguem e aprendam com outras escolas: os Pais da Igreja, a Teologia Medieval, a Reforma Protestante, o Calvinismo, o Arminianismo, o Puritanismo, o Movimento de Avivamento, o Movimento de Santidade, o Wesleyanismo, o Evangelicalismo, o Anglicanismo, o Novo Calvinismo, a erudição Católica etc. E, é claro, quero que as demais tradições cristãs também aprendam conosco.
Gutierres Fernandes Siqueira
Referências Bibliográficas:
[1] LEWIS, C. S. Oração: Cartas a Malcolm: Reflexões sobre o diálogo íntimo entre homem e Deus. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2009. p 66.
[2] Para esse debate sobre perspectivas diferentes a respeito da santificação, leia: GUNDRY, Stanley (ed.) Cinco Perspectivas sobre a Santificação. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2006.
[3] CHESTERTON, Gilbert K. Ortodoxia. 1 ed. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2008. p 27.
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