Introdução
Quando eu era seminarista, um casal de outra igreja morava nas proximidades do Seminário. Certa vez, sua igreja organizou uma semana de encontros com um pregador muito conhecido em todo o país, e eles prontamente se ofereceram para pegá-lo no aeroporto. Seus três filhos foram com eles. Ao chegarem a casa, perguntaram ao orador sobre o tema da semana e ele respondeu que ainda não se decidira. Na primeira reunião, quando anunciou que “O Senhor o levara a falar sobre educação de filhos”, imediatamente souberam que ele tomara sua decisão com base na conduta de seus filhos na volta do aeroporto. O mau comportamento de seus filhos, e sua falta de controle sobre eles, levaram-no a se decidir pelo assunto. Eles também sabiam que se o homem falava para alguém, era para eles.
O leitor rapidamente perceberá que o tema principal de nossa passagem é o relacionamento entre pais e filhos. Espero que fique claro que este assunto emerge diretamente do texto. Se vou expor I e II Samuel sistematicamente, não posso deixar de lado este texto ou o assunto da educação de filhos. Não pense, por favor, que eu me sinta totalmente à vontade para ensinar sobre este assunto só porque que minha filha mais nova terminou a Faculdade e está saindo de casa para lecionar em outro Estado. Talvez pareça que nosso trabalho paterno já esteja feito e até mesmo que nossos filhos tenham se saído muito bem. Duas coisas devem ser ditas a esse respeito. Primeiro, como a maioria dos pais descobre a esta altura, nosso trabalho realmente não termina, nunca. Nosso papel como pais muda e diminui, mas ainda temos certas responsabilidades, da mesma forma que nossos filhos ainda têm certas responsabilidades para conosco (tal como em nossa velhice, que ainda está bem longe!). Não podemos levar o crédito por todas as coisas boas que acontecem na vida de nossos filhos, tal como alguns de vocês não deveriam levar toda a culpa pelas coisas que saíram erradas na vida de seus filhos. No que se refere a nossos filhos andarem com Deus, é pela graça e para a glória de Deus. Não ousamos tomar o crédito por Sua obra. Finalmente, estamos muito perto de entrar no excitante mundo dos avós que, com certeza, trará novos desafios.
Por isso, você pode ver que estou tão “ameaçado” e “intimidado” pelo texto quanto você. Não tenho nenhum prazer em pregá-lo, embora ele me permita lhe dar minha opinião sobre o que fazer como pais. Entendo que o padrão de paternidade estabelecido em nosso texto é aquele todos nós temos que aceitar, mas que nem sempre conseguiremos manter. A morte de Eli e seus dois filhos (brevemente descrita em I Samuel 4) é um claro aviso sobre o alto preço que os pais pagam por não guardar as instruções de Deus com relação à educação de seus filhos. Devemos considerar este texto com a maior seriedade e nos esforçar para entender o que Deus nos diz sobre a impressionante tarefa de educar nossos filhos.
Visão Geral de I Samuel 2:11-4:22
Precisamos ler, interpretar e aplicar nosso texto à luz de seu contexto. O texto do capítulo 2 estabelece o cenário para os acontecimentos do capítulo quatro, fazendo o contraste entre a vida de Samuel e a vida dos dois filhos de Eli, Hofni e Finéias. Alternando entre Samuel eos dois “filhos de Belial”, nosso texto faz o contraste entre eles. Gosto do jeito como Dale Ralph Davis ilustra a mistura de Samuel e os filhos de Belial:
Samuel servindo, 2:11
pecados litúrgicos, 2:12-17
Samuel servindo, 2:11
pecados morais, 2:22-25
Samuel crescendo, 2:26
profecia do julgamento, 2:27-36
Samuel servindo, 3:1a
O escritor descreve no capítulo 3 a ascensão de Samuel aos ofícios de sacerdote e profeta. No final do capítulo, toda a nação o aceita e o respeita como verdadeiro profeta de Deus. O capítulo 4 descreve o cumprimento das advertências proféticas de Deus a respeito de Eli e seus filhos (feitas por um profeta desconhecido no capítulo 2 e por Samuel no capítulo 3). Israel é derrotado pelos filisteus e a Arca da Aliança é tomada e levada, e Eli e seus dois filhos morrem, junto com sua nora. Os avisos e profecias dos capítulos 2 e 3 devem ser interpretados à luz de seu cumprimento no capítulo 4.
Entendendo o Sacerdócio
Precisamos conhecer mais sobre os sacerdotes levitas para uma compreensão total do que vai acontecer com os filhos de Eli. Arão e seus filhos foram os primeiros a serem designados por Deus para servir como sacerdotes. Nadabe e Abiú, os dois filhos mais velhos de Arão, são mortos por não exercerem seu sacerdócio corretamente. Eles oferecem “fogo estranho” e são mortos por isso. Assim, são substituídos pelos outros filhos de Arão, Eleazar e Itamar (Lv. 10:1-3; Nm. 3:4; 26:60-61).
Os sacerdotes têm diversos deveres. Eles cuidam do tabernáculo e de seu funcionamento (Ex. 27:21; Lv. 24:1-7; Nm. 18:1-7). Entre seus deveres está a manutenção do altar. Eles devem retirar as cinzas e manter o fogo aceso (Lv. 6:8-13). Deus promete se encontrar com eles à porta da tenda da congregação (Ex. 29:42-46). Devido à sua posição privilegiada e à sua proximidade com o Deus Santo, eles devem ser muito meticulosos para não se contaminar de forma que impeça seu serviço. Isto inclui evitar bebidas fortes (Lv. 10:8-11), o que pode ter sido o fator contribuinte para o “fogo estranho” de Nadabe e Abiú (10:1-3). Eles não devem se contaminar pelo contato com os mortos, por tomar prostitutas como esposas, ou por ter uma filha prostituta (Lv. 21:1-9). Um sacerdote não deve ter nenhum defeito físico ou conduzir seus deveres sacerdotais quando estiver cerimonialmente impuro (Lv. 21:1-10-22:9). Os sacerdotes são responsáveis por inspecionar diversas doenças para determinar se é lepra, infecção ou contaminação (ver Lv. 13-16). Eles devem tocar as trombetas que convocam os israelitas (Nm. 10:8). Os deveres sacerdotais vão ainda mais além, pois eles devem ensinar ao povo de Israel a Lei de Moisés e também julgá-los (Dt. 17:8-13; 33:8-11). As falhas dos sacerdotes em fazer estas coisas trazem severo juízo sobre eles (Malaquias 2:1-10). Suas vestes, que incluem uma túnica e uma sobrepeliz, também são símbolos da santidade de seu ofício e de seus deveres (Ex. 28:40-43).
Deus não dá uma herança aos sacerdotes, como faz com as outras tribos (NM. 18:24). Em vez disto, Ele cuida deles de forma especial. Uma parte da carne oferecida pelos israelitas é dada a eles, bem como o restante dos dízimos e sacrifícios que são trazidos pelo povo como oferta a Deus (Nm. 18:8-32). A eles também é dado o pão colocado no santuário (Lv. 24:8-9). Deus especifica a parte do animal sacrificado que é dada aos sacerdotes: o peito e a coxa direita, mas somente depois que a gordura for queimada no altar (Lv. 7:31-34; ver também 3:3-5, 14-17; 7:22-25).
Cadê o bife? (2:12-17)
“Eram, porém, os filhos de Eli filhos de Belial e não se importavam com o SENHOR; pois o costume daqueles sacerdotes com o povo era que, oferecendo alguém sacrifício, vinha o moço do sacerdote, estando-se cozendo a carne, com um garfo de três dentes na mão; e metia-o na caldeira, ou na panela, ou no tacho, ou na marmita, e tudo quanto o garfo tirava o sacerdote tomava para si; assim se fazia a todo o Israel que ia ali, a Siló. Também, antes de se queimar a gordura, vinha o moço do sacerdote e dizia ao homem que sacrificava: Dá essa carne para assar ao sacerdote; porque não aceitará de ti carne cozida, senão crua. Se o ofertante lhe respondia: Queime-se primeiro a gordura, e, depois, tomarás quanto quiseres, então, ele lhe dizia: Não, porém hás de ma dar agora; se não, tomá-la-ei à força. Era, pois, mui grande o pecado destes moços perante o SENHOR, porquanto eles desprezavam a oferta do SENHOR.”
Já vimos como Deus cuida das necessidades dos sacerdotes. Quando eles oferecem um sacrifício, devem primeiro queimar a gordura como oferta a Deus. Aquele que estiver fazendo o sacrifício recebe uma parte da carne sacrificada para ser comida com sua família (ver 1:5). O sacerdote recebe o peito e a coxa direita (ver acima). É assim que está prescrito na Lei de Moisés, mas que não é feito pelos sacerdotes. Estes homens “não se importavam com o SENHOR”, nem com o ”costume dos sacerdotes” (versos 12-13). Estes filhos, que “não se importavam com o SENHOR”, são chamados de “filhos de Belial” (literalmente), ou “homens sem valor” (verso 12). É interessante notar que, embora os filhos de Eli sejam chamados de “filhos de Belial”, o juízo apressado que ele faz de Ana, e sua repreensão, sugerem que ela seja “filha de Belial” (ver 1:16), acusação negada por ela.
O que será que estes “filhos de Belial” fazem que seja tão errado? O escritor nos diz. Primeiro, eles se recusam a aceitar as partes que são designadas a eles e insistem em examinar o “tacho” para selecionar seu pedaço de carne. Quando a carne está cozinhando na caçarola e alguém vem oferecer o sacrifício, o sacerdote envia seu servo com um garfo de três pontas para pegar qualquer coisa que consiga espetar (2:13-14). Este pedaço de carne, então, é levado ao sacerdote como a parte designada a ele do animal sacrificado.
Devo confessar que sou cínico. Não creio que a carne pega pelo servo fosse realmente ao acaso. Quando eu era pequeno, costumávamos comer frango frito - geralmente um frango inteiro. Eu gostava de carne branca e não ligava para a coxa ou sobrecoxa. Meu pai era sempre servido primeiro, e ele costumava dizer que comia “qualquer pedaço que Evalyn (minha mãe) lhe desse”. “Dá prá ele o curanchim ou o pescoço, mãe”, eu pedia, mas ela nunca dava. De alguma forma, meu pai sempre ficava com o maior pedaço de carne branca. O pedaço de frango que meu pai conseguia de maneira alguma era pego ao acaso, e todos nós sabíamos disso.
Também não creio que o pedaço de carne dado aos sacerdotes fosse uma questão do acaso. Para eles, o peito ou um pedaço da coxa não significavam uma chuleta, pois esta era retirada da parte traseira - alcatra, sim, carne assada, sim, mas filé-mignon, não - a menos, é claro, que o servo do sacerdote “acabasse” tirando-o da panela. Duvido que estes camaradas cometessem algum engano quanto ao pedaço de carne pego para o sacerdote. Não haveria nenhum bife de acém para eles, nem osso do pescoço. Da forma como escolhiam a carne, os sacerdotes desprezavam a lei, satisfazendo seus desejos ao pegar os melhores pedaços.
Os sacerdotes parecem achar que carne cozida é muito sem graça, querendo churrasco (ou carne grelhada) em vez disto. Seus servos se aproximam dos ofertantes antes que a carne seja cozida, antes mesmo que a gordura seja oferecida a Deus, e exigem o melhor pedaço para os sacerdotes. Israelitas piedosos, como Elcana e Ana, sabem que, antes de tudo, a gordura deve ser queimada no altar. Quando pessoas como eles dizem ao servo do sacerdote que espere até a gordura ser queimada, o servo fica violento. Ele exige a carne imediatamente, ameaçando tomá-la à força, se necessário.
Podemos imaginar o impacto negativo que isto causa na adoração a Deus em Siló. Os israelitas piedosos fazem a jornada anual a Siló para adorar a Deus no tabernáculo e não encontram sacerdotes dedicados que os auxiliem, mas sacerdotes vorazes que deturpam a adoração. Deliberadamente ou por ignorância (isto ficará evidente numa das traduções dos versos 12 e 13), os sacerdotes agem com total desrespeito ao ofício sagrado do sacerdócio do Antigo Testamento, o que talvez faça com que alguns israelitas abandonem completamente a adoração no tabernáculo. Nestes dias, não há rei em Israel, e cada um faz o que é certo aos seus próprios olhos, incluindo os sacerdotes que deveriam ensinar e julgar Israel de acordo com a lei de Deus.
O verso 17 nos dá uma avaliação de Deus da conduta dos sacerdotes: ”Era, pois, mui grande o pecado destes moços perante o SENHOR, porquanto eles desprezavam a oferta do SENHOR.” Os intérpretes traduzem este verso de diferentes formas. Alguns o interpretam para mostrar que, em conseqüência da corrupção do ministério dos sacerdotes, o povo também começa a seguir seus líderes, menosprezando os sacrifícios:
17 “Era, pois, muito grande o pecado destes mancebos perante o Senhor, porquanto os homens vieram a desprezar a oferta do Senhor.” (Almeida Atualizada)
Outros o traduzem para mostrar que o pecado dos sacerdotes era muito grande, pois eles (os sacerdotes) desprezavam as ofertas do Senhor:
17 “Assim, o pecado destes jovens era muito grande aos olhos do Senhor, pois tratavam com desprezo as ofertas que o povo trazia perante Deus.” (O Livro)
Desconfio que as duas versões estejam certas. Os sacerdotes não respeitam os sacrifícios e ofertas que fazem em favor dos homens em Siló e, como conseqüência, muitas pessoas também começam a desprezá-los. Este pecado realmente é muito grave, tanto para os sacerdotes que levam outros a pecar, como para aqueles que os seguem. Estes são dias realmente tristes na história de Israel. Como as palavras ditas por Malaquias muitos anos mais tarde se aplicam bem aos dias dos juízes:
“Agora, ó sacerdotes, para vós outros é este mandamento. Se o não ouvirdes e se não propuserdes no vosso coração dar honra ao meu nome, diz o SENHOR dos Exércitos, enviarei sobre vós a maldição e amaldiçoarei as vossas bênçãos; já as tenho amaldiçoado, porque vós não propondes isso no coração. Eis que vos reprovarei a descendência, atirarei excremento ao vosso rosto, excremento dos vossos sacrifícios, e para junto deste sereis levados. Então, sabereis que eu vos enviei este mandamento, para que a minha aliança continue com Levi, diz o SENHOR dos Exércitos. Minha aliança com ele foi de vida e de paz; ambas lhe dei eu para que me temesse; com efeito, ele me temeu e tremeu por causa do meu nome. A verdadeira instrução esteve na sua boca, e a injustiça não se achou nos seus lábios; andou comigo em paz e em retidão e da iniqüidade apartou a muitos. Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens procurar a instrução, porque ele é mensageiro do SENHOR dos Exércitos. Mas vós vos tendes desviado do caminho e, por vossa instrução, tendes feito tropeçar a muitos; violastes a aliança de Levi, diz o SENHOR dos Exércitos. Por isso, também eu vos fiz desprezíveis e indignos diante de todo o povo, visto que não guardastes os meus caminhos e vos mostrastes parciais no aplicardes a lei.” (Malaquias 2:1-9)
Pequeno Lorde Fontleroy? (2:18-21)
“Samuel ministrava perante o SENHOR, sendo ainda menino, vestido de uma estola sacerdotal de linho. Sua mãe lhe fazia uma túnica pequena e, de ano em ano, lha trazia quando, com seu marido, subia a oferecer o sacrifício anual. Eli abençoava a Elcana e a sua mulher e dizia: O SENHOR te dê filhos desta mulher, em lugar do filho que devolveu ao SENHOR. E voltavam para a sua casa. Abençoou, pois, o SENHOR a Ana, e ela concebeu e teve três filhos e duas filhas; e o jovem Samuel crescia diante do SENHOR.”
Há um filme muito engraçadinho chamado “Pequeno Lorde Fontleroy”, no qual um nobre senhor europeu descobre que tem um herdeiro vivendo nos Estados Unidos. Ele leva o garoto para morar com ele, a fim de que um dia assuma seu lugar de posição e prestígio. Relutantemente, este senhor também leva a mãe do garoto, mas faz com que ela viva longe de sua mansão. Este rapazinho, que costumava correr pelas ruas com suas roupas maltrapilhas, agora está vestido como um nobre - pequeno Lorde Fontleroy. Ele conquista não só o coração das pessoas, pelas quais tem compaixão e demonstra generosidade (como sua mãe), mas também conquista o coração de seu avô mesquinho e carrancudo. No final, o garotinho transforma o avô num homem bondoso e gentil.
Quando leio os versos de nosso texto, não consigo deixar de pensar no “Pequeno Lorde Fontleroy”. Este texto parece muito singelo e sentimental. O retrato que nosso autor faz deste garotinho é tocante. Até posso ouvir alguém dizendo: “Não é um doce...?” É. Ana teve que deixar seu único e precioso filho em Siló, para manter seu voto. Todos os anos ela vem para a adoração, mas também vem para ver seu querido filho. E, todos os anos, ela traz uma pequena túnica carinhosamente confeccionada nos meses anteriores. É provável que ela tenha que fazer algumas alterações em suas roupas tentando calcular seu tamanho no próximo ano, para poder confeccioná-las antes de vir. Você não vê o pequeno Samuel todo bem vestido em sua roupa nova? Não é um doce?
Sim, é; o fato é que a cada ano, pelos próximos anos, Ana será acompanhada por outro filho, terminando com 3 meninos e 2 meninas - seis no total, contando com Samuel. Eli vê a triste partida de Elcana e Ana e pronuncia uma bênção sobre eles, pedindo a Deus que substitua o filho que Ana dedicou ao Senhor. Deus responde, concedendo-lhes graciosamente cinco filhos a mais. Eli também percebe que, em lugar de seus filhos inúteis, Deus lhe deu um filho para educar, um filho que deve ter sido uma alegria para o coração deste velho sacerdote.
No entanto, eis aqui mais do que um mero sentimento afetivo. Poderíamos pensar que, uma vez que Samuel vive tão longe da casa de seus pais, Ana e Elcana tenham pouca influência sobre sua vida. Creio que eles têm muita influência sobre Samuel. Se lermos I Samuel 2:19 à luz dos ensinamentos da Lei a respeito das vestes sacerdotais, Ana não está só costurando roupas para o seu garotinho, ela está costurando vestes sacerdotais para ele. Você pode ouvir Ana falando a Samuel sobre a dignidade e os deveres dos levitas sacerdotes? Não pode vê-la instruindo-o sobre a grandeza do seu chamado e o que as vestes sacerdotais pretendem transmitir? Creio que Ana tem um impacto tremendo na vida de seu filho pelas coisas que faz e, sem dúvida, por aquilo que diz. Como é que uma simples costura pode ter impacto espiritual? É melhor perguntar a Ana, ou melhor ainda, a Samuel.
Fraca Demais e Tardia Demais: A Débil Repreensão de Eli
(2:22-25)
“Era, porém, Eli já muito velho e ouvia tudo quanto seus filhos faziam a todo o Israel e de como se deitavam com as mulheres que serviam à porta da tenda da congregação. E disse-lhes: Por que fazeis tais coisas? Pois de todo este povo ouço constantemente falar do vosso mau procedimento. Não, filhos meus, porque não é boa fama esta que ouço; estais fazendo transgredir o povo do SENHOR. Pecando o homem contra o próximo, Deus lhe será o árbitro; pecando, porém, contra o SENHOR, quem intercederá por ele? Entretanto, não ouviram a voz de seu pai, porque o SENHOR os queria matar.”
Os versos 12 a 17 falam sobre o pecado dos sacerdotes em relação à carne oferecida como sacrifício a Deus. Agora, os versos 22 a 25 falam de sua imoralidade com as mulheres que servem à porta da tenda. Estas ”mulheres" parecem ser as mesmas mencionadas em Êxodo:
“Fez também a bacia de bronze, com o seu suporte de bronze, dos espelhos das mulheres que se reuniam para ministrar à porta da tenda da congregação (Êx. 38:8).”
Hofni e Finéias são culpados de imoralidade sexual, e sabemos que pelo menos Finéias é casado (ver I Sam. 4:19). Isto é adultério e é um pecado punível com a morte. É um pecado ainda mais grave se considerarmos quem o comete e onde é cometido. Considere a perversidade dos filhos de Eli à luz da promessa de Deus aos levitas sacerdotes:
“Este será o holocausto contínuo por vossas gerações, à porta da tenda da congregação, perante o SENHOR, onde vos encontrarei, para falar contigo ali. Ali, virei aos filhos de Israel, para que, por minha glória, sejam santificados, e consagrarei a tenda da congregação e o altar; também santificarei Arão e seus filhos, para que me oficiem como sacerdotes. E habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus. E saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus, que os tirou da terra do Egito, para habitar no meio deles; eu sou o SENHOR, seu Deus" (Êx. 29:42-46, ênfase minha).
A porta da tenda da congregação é o lugar onde Deus se encontra com os sacerdotes, o lugar onde Deus revela Sua glória. Ali, Arão e seus filhos foram consagrados, separados para seu ofício sacerdotal. Agora, não muitos anos depois, este lugar se transforma num lugar de encontro de um tipo muito diferente, um lugar onde os filhos de Eli têm encontros com mulheres com quem cometem imoralidade sexual.
Refiro-me a esta passagem como a “repreensão de Eli” mas, na verdade, não é dito que ele repreenda seus filhos. Eli certamente nada faz para conter ou impedir a conduta pecaminosa de seus filhos. Suas palavras não têm nenhum impacto sobre sua rebeldia. Pior ainda, suas palavras são autocondenatórias. Parece que ele quer fazer seus filhos se sentirem culpados, o que obviamente não funciona. Suas palavras, no entanto, ressaltam sua própria culpa. O autor nos diz que Eli “ouvia tudo quanto seus filhos faziam a todo o Israel”. Não é por ignorância que Eli deixa de agir com rigor. Ele conhece tudo o que eles fazem, e também sabe que agem de modo arrogante, com todo o Israel. Seus pecados não são lapsos momentâneos de caráter ou conduta; são um padrão habitual, um estilo de vida.
Não é interessante que, embora Eli demonstre grande desaprovação quanto à imoralidade sexual de seus filhos, não haja menção (pelo menos em nosso texto) quanto aos pecados relativos à carne dos sacrifícios? A razão, como iremos propor adiante, talvez esteja nos versos 27-29. Enfim, as palavras de Eli a seus filhos revelam que ele entende muito bem a gravidade de seus pecados. Estes pecados não são contra o homem, mas contra Deus. São pecados deliberados, para os quais não há compensação. Estes filhos de Belial agitam os punhos na face de Deus; eles conhecem seu pecado (se não for por outra razão, é porque Eli acaba de lhes dizer ), e Eli também. No entanto, a despeito de tudo o que Eli sabe, ele não chega ao ponto de verdadeiramente fazer alguma coisa sobre isso. Amo o comentário de Dale Ralph Davis desta parte do texto:
“Eli tinha repreendido seus filhos por suas ofensas morais (v. 22-25); talvez - embora não possamos dizer pelos versos 23-25 - ele também os tenha reprovado por suas ofensas litúrgicas (v. 13-17). De qualquer forma, ele não tomou nenhuma atitude para expulsar Hofni e Finéias do ofício sacerdotal. Eli podia protestar, mas seus filhos não iam ficar desempregados. Não havia disciplina na igreja.”
“Por isso, o homem de Deus (o profeta dos versos 27-36) condena o pecado da racionalização, da disposição em tolerar o pecado, permitindo que a honra de Deus seja colocada em segundo plano, preferindo “meus filhos” a “meu Deus”. Para Eli, o sangue falou mais alto que a fidelidade.”
“Como é fácil exercer uma compaixão medrosa que nunca quer ofender ninguém, que confunde escrúpulos com amor e, por isso, ignora a lei de Deus e, principalmente, despreza sua santidade. Nem sempre buscamos a glória de Deus quando poupamos os sentimentos humanos.”
Outro Contraste com Samuel (2:26)
“Mas o jovem Samuel crescia em estatura e no favor do SENHOR e dos homens.”
Como o sacerdócio se tornou pecaminoso! Crentes piedosos como Elcana e Ana devem ranger os dentes quando vão adorar a Deus em Siló. As coisas parecem ir de mal a pior. Eli está velho e próximo da morte. Seus dois filhos são os próximos na linha de sucessão. Com certeza os justos tremem ante este pensamento. E, mesmo assim, neste dia obscuro para Israel, um garotinho está crescendo. Os filhos de Eli estão condenados à vista de Deus; Ele tem intenção de matá-los (verso 25). Eles não são benquistos pelos crentes. Assim, há Samuel. Este jovenzinho encontra o favor de Deus e dos homens - se pelo menos os homens soubessem o que o futuro deste jovem reserva para eles e para a nação. Num dos dias mais negros da história de Israel, quando tudo parece estar se desmoronando, Deus levanta alguém que pretende usar para servi-Lo fielmente, e aos homens também. Este é Samuel. Os filhos de Eli estão em queda; Samuel está em ascensão.
Este verso soa estranhamente familiar, não é? Sabemos que Lucas usa palavras muito parecidas ao se referir a Jesus de Nazaré, quando Ele está crescendo:
“E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens.” (Lucas 2:52)
Por que as palavras são tão parecidas? Por que Lucas emprega a mesma descrição que o autor de I Samuel emprega ao falar do desenvolvimento de Samuel quando criança? Os dias em que nosso Senhor nasceu também foram dias negros na história de Israel. O sistema religioso se desviara da Palavra de Deus, da mesma forma que nos dias de Samuel. Mesmo assim, embora as coisas parecessem muito sombrias para Israel, um Jovem estava crescendo, praticamente desconhecido e despercebido pela nação. Esta criança era o Messias. Ele salvaria Seu povo de seus pecados. Algum dia Ele se sentaria no trono de Seu pai, Davi. E Ele, como seu tipo, Samuel, exerceria o sacerdócio de forma as libertar o povo de Deus de seus pecados.
A "Visita" de um Homem de Deus Não Identificado (2:27-36)
“Veio um homem de Deus a Eli e lhe disse: Assim diz o SENHOR: Não me manifestei, na verdade, à casa de teu pai, estando os israelitas ainda no Egito, na casa de Faraó? Eu o escolhi dentre todas as tribos de Israel para ser o meu sacerdote, para subir ao meu altar, para queimar o incenso e para trazer a estola sacerdotal perante mim; e dei à casa de teu pai todas as ofertas queimadas dos filhos de Israel. Por que pisais aos pés os meus sacrifícios e as minhas ofertas de manjares, que ordenei se me fizessem na minha morada? E, tu, por que honras a teus filhos mais do que a mim, para tu e eles vos engordardes das melhores de todas as ofertas do meu povo de Israel? Portanto, diz o SENHOR, Deus de Israel: Na verdade, dissera eu que a tua casa e a casa de teu pai andariam diante de mim perpetuamente; porém, agora, diz o SENHOR: Longe de mim tal coisa, porque aos que me honram, honrarei, porém os que me desprezam serão desmerecidos. Eis que vêm dias em que cortarei o teu braço e o braço da casa de teu pai, para que não haja mais velho nenhum em tua casa. E verás o aperto da morada de Deus, a um tempo com o bem que fará a Israel; e jamais haverá velho em tua casa. O homem, porém, da tua linhagem a quem eu não afastar do meu altar será para te consumir os olhos e para te entristecer a alma; e todos os descendentes da tua casa morrerão na flor da idade. Ser-te-á por sinal o que sobrevirá a teus dois filhos, a Hofni e Finéias: ambos morrerão no mesmo dia. Então, suscitarei para mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o que tenho no coração e na mente; edificar-lhe-ei uma casa estável, e andará ele diante do meu ungido para sempre. Será que todo aquele que restar da tua casa virá a inclinar-se diante dele, para obter uma moeda de prata e um bocado de pão, e dirá: Rogo-te que me admitas a algum dos cargos sacerdotais, para ter um pedaço de pão, que coma.”
Com poucas exceções, a expressão “homem de Deus” é quase sempre empregada se referindo a um profeta. Os dias em que “a palavra do SENHOR era mui rara” (I Sam. 3:1) foram uma verdadeira ocasião para um profeta falar aos homens diretamente da parte de Deus. Em nosso texto, um profeta sem nome aparece para censurar as falhas de Eli - ou melhor, sua recusa - em lidar decididamente com seus filhos. Nos versos 27-29, o profeta coloca o sacerdócio dentro da perspectiva histórica e teológica correta. Ele relembra o passado, no tempo em que o sacerdócio araônico e levítico foi estabelecido no êxodo. Daí, nos versos 30-34, ele reflete sobre o futuro, profetizando a respeito do castigo que Deus suscitará sobre Eli e sua casa. Então, nos versos 35 e 36, ele se refere a um futuro um pouco mais distante, quando Deus edificará uma nova casa de sacerdotes. Vamos considerar os três pontos da mensagem deste profeta sem nome.
Certa vez ameacei escrever um trabalho intitulado “Pensamento Bíblico”. As Escrituras empregam diversas linhas de pensamento; uma delas é o que chamo de “idéia original”. A idéia original consiste no raciocínio que volta à origem da questão e segue daí em diante. Por exemplo, quando Jesus foi questionado pelos fariseus a respeito do divórcio, eles Lhe perguntaram: “É lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” (Mt. 19:3). Alguns pensavam que o marido poderia se divorciar de sua esposa por uma razão qualquer. Outros eram mais rigorosos. Mas, todos os que ali estavam ficaram chocados com a firmeza da posição assumida pelo Senhor. Quero chamar a atenção para o raciocínio de Jesus:
“Então, respondeu ele: Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, OS FEZ HOMEM E MULHER e que disse: POR ESTA CAUSA DEIXARÁ O HOMEM PAI E MÃE E SE UNIRÁ A SUA MULHER, TORNANDO-SE OS DOIS UMA SÓ CARNE? De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.” (Mateus 19:4-6)
O raciocínio dos fariseus está fora do contexto de sua própria cultura, de seus dias e de sua época, e de seus próprios valores. Jesus os desafia a pensar na questão do divórcio com base na “idéia original”. No princípio, quando Deus criou o mundo e a raça humana, Ele também criou a instituição do casamento. “Como”, Jesus pergunta a seus oponentes, “se pretendia que o casamento funcionasse originalmente? O que Deus pretendia que o casamento fosse quando o criou?” Deus queria que um homem e uma mulher se unissem e jamais se separassem, exceto pela morte. “Pode um homem se divorciar de sua esposa por qualquer motivo?” A resposta de Jesus nos força a concluir que, de acordo com a idéia original, “Deus nunca pretendeu que o homem se divorciasse de sua esposa, por qualquer motivo que fosse”.
Mediante um profeta sem nome, Deus desafia Eli (e o leitor) a pensar na idéia original. Os problemas de Eli, e de seus filhos, são problemas relativos ao sacerdócio. A solução para estes problemas é um novo sacerdote (Samuel) e uma nova casa (ou dinastia) de sacerdotes. “Portanto”, desafia o profeta, “como era originalmente o sacerdócio?” O sacerdócio levítico foi introduzido quando os israelitas ainda estavam no cativeiro do Egito. É lá que Deus designa Arão como sacerdote.
É lá que a “casa” sacerdotal de Arão é estabelecida. A palavra “casa” é repetida diversas vezes por boas razões. Deus não designa só Arão como sacerdote, ele também designa seus filhos e os filhos de seus filhos, a “casa” de Arão. Como é que Eli pode ter pleno conhecimento dos pecados cometidos por seus filhos como sacerdotes e não ficar preocupado o suficiente para tratar adequadamente de sua “casa”? O sacerdócio não é apenas um assunto individual, é um assunto da “casa”, que envolve todos os membros da família (ver Levítico 21:1-9). Deus constituiu uma “casa” para Arão e seus descendentes, e Eli faz parte desta casa. Ele precisa urgentemente administrar sua “casa”.
Os pronomes pessoais abundam nos versos 27-29, e a maior parte deles se refere a Deus. Três vezes nos versos 27 e 28 Deus diz por meio do profeta: “Eu não...”. Deus Se revela a Arão. Deus escolhe Arão e designa sua casa para que O sirvam como sacerdotes. Deus dá aos sacerdotes uma “porção” dos sacrifícios para sustentá-los em seu ministério. A idéia original requer a conclusão de que o sacerdócio é “de Deus”, que o criou, estabeleceu e atribuiu regras e regulamentos que o governam. Conseqüentemente, Deus fala em “Meu sacrifício”, “Minha oferta”, “Minha morada”, “Meu povo” e, por inferência, “Minha glória”, a glória que é devida a Ele pelos sacerdotes por tudo o que Ele fez em relação ao seu sacerdócio.
É aí que Eli erra. Eli honra mais a seus filhos do que a Deus (verso 29). Ele parece temer enfrentar seus filhos e tratá-los com rigor, pois eles poderiam odiá-lo e até mesmo desprezá-lo. Sendo o tipo de filhos que são, poderiam até matá-lo. Eli teme mais a seus filhos do que a Deus. Ele quer sua aprovação e afeição mais do que a aprovação e afeição de Deus... Como pode? O verso 29 sugere o porquê de Eli ser tão omisso e passivo quanto aos pecados de seus filhos. Deus diz: “Por que pisais aos pés os meus sacrifícios e as minhas ofertas de manjares, que ordenei se me fizessem na minha morada? E, tu, por que honras a teus filhos mais do que a mim, para tu e eles vos engordardes das melhores de todas as ofertas do meu povo de Israel?” (verso 29).
Sei que serei visto como politicamente incorreto, mas creio que interpreto acuradamente o que Deus diz a Eli pelo profeta. Não falo por maldade, mas Eli é um homem muito gordo (ver 4:18). Não estou fazendo nenhuma alusão negativa sobre pessoas acima do peso (entre as quais devo estar incluído). Mas parece que Deus diz a Eli: “Olhe-se no espelho, Eli. Você engordou como sacerdote! Pense no que teria acontecido. Você e seus filhos se tornaram obesos por causa da carne que têm comido, a carne que conseguiram injustamente como sacerdotes.”
Nosso texto nos diz que Eli ouvia “tudo” o que seus filhos faziam a todo Israel. Portanto, ele sabe como seus filhos conseguem a carne. Ele conhece sua imoralidade. Em nosso texto, ele repreende seus filhos pela imoralidade sexual, mas não diz nada a respeito dos métodos usados para conseguir carne. Talvez Eli esteja velho e seus sentidos estejam embotados, mas creio que ele sabe a diferença entre carne grelhada e carne cozida. Tenho certeza que ele conhece a diferença entre uma carne assada e um filé. Talvez ele não diga nada sobre o pecado de seus filhos com relação aos métodos de conseguir da carne porque ele também a come. Ele se beneficia pessoalmente dos pecados de seus filhos e, em vez de tomar uma atitude enérgica quanto a eles, ele é passivo. Deus o relembra de que todos os benefícios e bênçãos de seu sacerdócio vêm Dele - não de seus filhos. Por isso, Eli fará bem se honrar a Deus mais do que a seus filhos, em vez de continuar a honrá-los (os filhos de Belial) mais do que a Deus, deixando de discipliná-los por seus pecados. Eli injustamente censura Ana por achar que ela esteja embriagada, mas não consegue repreender seus próprios filhos pela maneira como adquirem a carne. Ele está relutante em dar um fim ao sistema que o sustenta, ao sistema que o faz engordar.
O pecado de Eli é exposto e explicado. As bênçãos do sacerdócio vêm de Deus. Deus é o único a quem ele deve honrar. Os filhos de Eli precisam ser repreendidos. Mas, devido às “vantagens” que ele goza com o pecado de seus filhos - e que ele tem medo de perder - ele se recusa a tratar o pecado de seus filhos como deveria. Assim, O julgamento de Deus vem não só sobre ele, mas sobre sua “casa”, um julgamento descrito nos versos 30-34:
“Portanto, diz o SENHOR, Deus de Israel: Na verdade, dissera eu que a tua casa e a casa de teu pai andariam diante de mim perpetuamente; porém, agora, diz o SENHOR: Longe de mim tal coisa, porque aos que me honram, honrarei, porém os que me desprezam serão desmerecidos.” (I Sam. 2:30)
Deus quebrará Sua promessa? De forma alguma. Em primeiro lugar, precisamos lembrar que a promessa de Deus é uma aliança que Eli e seus filhos quebram em virtude de seus pecados. Deus diz que alguns de sua “casa” irão morrer. Especificamente, Hofni e Finéias irão morrer, no mesmo dia (verso 34). Mas Deus não cortará todos os descendentes de Eli:
“O homem, porém, da tua linhagem a quem eu não afastar do meu altar será para te consumir os olhos e para te entristecer a alma; e todos os descendentes da tua casa morrerão na flor da idade.” (verso 33)
Eli e seus filhos “engordaram” com os sacrifícios? Eles só comem as melhores partes? Isso vai mudar:
“Será que todo aquele que restar da tua casa virá a inclinar-se diante dele, para obter uma moeda de prata e um bocado de pão, e dirá: Rogo-te que me admitas a algum dos cargos sacerdotais, para ter um pedaço de pão, que coma.” (verso 36)
Deus vai empobrecer a “casa” de Eli, mas eles ainda vão servir como sacerdotes. Deus tirará sua “força” e os tornará “fracos” (verso 31). Não será uma bela visão, mas todos verão que Deus não permitirá que Seu sacerdócio seja manchado indefinidamente.
Os versos 30-34 descrevem o juízo que Deus está prestes a trazer sobre Eli e seus filhos, a “casa” de Eli. Os versos 35 e 36 falam da bênção que Deus trará sobre Israel pela ascensão de um “sacerdote fiel” e de uma “casa estável” de sacerdotes (verso 35). Se a “casa” de Eli receber alguma bênção, será somente pela submissão a este “sacerdote fiel” (verso 36).
Isto levanta duas questões: quem é este “sacerdote fiel”, e qual é esta ”casa estável” de sacerdotes? As palavras do verso 35 soam familiares àquelas de II Samuel 7, conhecidas como a “Aliança Davídica”:
“Prepararei lugar para o meu povo, para Israel, e o plantarei, para que habite no seu lugar e não mais seja perturbado, e jamais os filhos da perversidade o aflijam, como dantes, desde o dia em que mandei houvesse juízes sobre o meu povo de Israel. Dar-te-ei, porém, descanso de todos os teus inimigos; também o SENHOR te faz saber que ele, o SENHOR, te fará casa. Quando teus dias se cumprirem e descansares com teus pais, então, farei levantar depois de ti o teu descendente, que procederá de ti, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, e eu estabelecerei para sempre o trono do seu reino. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; se vier a transgredir, castigá-lo-ei com varas de homens e com açoites de filhos de homens. Mas a minha misericórdia se não apartará dele, como a retirei de Saul, a quem tirei de diante de ti. Porém a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido para sempre. Segundo todas estas palavras e conforme toda esta visão, assim falou Natã a Davi.” (II Sam. 7:10-17)
A “casa” de Eli é como a “casa” de Saul, exceto que, enquanto a casa de Eli continua em declínio, a casa de Saul chega ao fim com relação ao seu reino. No entanto, ainda que os descendentes de Eli continuem a servir como sacerdotes, eles estarão sujeitos a um sacerdote superior. Quem é este sacerdote superior? E por que Deus faz uma aliança que terá uma “casa estável”?
A resposta tem duas partes. Creio que haja um cumprimento imediato e outro mais distante, eterno, para a aliança sacerdotal feita por Deus em nosso texto. Primeiro, Deus proverá Seu povo com uma “casa” de sacerdotes superior à casa de Eli e seus filhos, e isto acontecerá num futuro de Israel não muito distante (da perspectiva de Eli). O sacerdócio levítico vem da linhagem de Arão, um descendente de Levi (ver Êxodo 2:1 e ss). Quando Arão é feito sumo sacerdote, seus dois filhos, Nadabe e Abiú servem sob ele. Quando eles são mortos devido ao “fogo estranho” que oferecem, os dois outros filhos de Arão, Eleazar e Itamar, são designados em lugar de seus irmãos (Levítico 10). A linhagem sacerdotal de Arão, portanto, continua por meio destes dois filhos sobreviventes, Eleazar e Itamar. Originalmente, o sumo sacerdócio vem pela descendência de Eleazar, mas Eli, que serve como sumo sacerdote, é descendente de Itamar. A profecia deste profeta sem nome parece inicialmente ser cumprida quando Samuel se torna sacerdote em lugar de Eli; tempos depois, no reinado de Davi, Zadoque, descendente de Eleazar, será feito sumo sacerdote (I Reis 1:7-8; I Crônicas 16:4-40). No Reino do Milênio, os “filhos de Zadoque” servirão como sacerdotes (Ezequiel 44:15; 48:11).
Segundo, creio que o cumprimento final desta profecia é nosso Senhor Jesus Cristo, tal como Ele é o cumprimento final da aliança do Senhor com Davi. A história de Israel mostra que nenhum rei humano é digno de um reino eterno, de um reino sem fim. Ninguém é digno - nem Davi, nem Salomão, nem qualquer outro, exceto o "Rei dos Judeus", nosso Senhor Jesus Cristo, que veio para "se sentar no trono de Seu pai, Davi". Ele é o cumprimento total e final da Aliança Davídica. Da mesma forma, nosso Senhor é o cumprimento total e final da aliança sacerdotal de nosso texto. Jamais houve na história de Israel um sacerdote digno de servir eternamente como sacerdote - nem Eli, e nem Samuel. Mesmo que Deus esteja prestes a dar a Israel sacerdotes superiores a Eli e seus filhos, Ele dará a Seu povo, num dia ainda por vir, um sacerdote perfeito, o Senhor Jesus Cristo, o último e perfeito profeta, sacerdote e rei.
Conclusão
Como mencionei no início desta lição, nosso texto tem muito a nos ensinar sobre educação de filhos. Mais precisamente, nosso texto chama a atenção para a maneira como os pais lidam com filhos adultos que são rebeldes e desobedientes a Deus. Podemos dizer que muitos dos problemas tratados de maneira errada por Eli com relação a seus filhos são conseqüências de suas falhas em tratá-los adequadamente quando crianças. Mas também é possível que filhos educados num lar bastante piedoso possam se desviar do caminho, como os filhos de Eli. A questão em nosso texto é que Eli não consegue lidar com seus filhos de forma apropriada como sumo sacerdote e juiz da nação de Israel. Eli deveria ter tratado seus filhos da mesma maneira que teria tratado qualquer outro homem que fosse sacerdote e fosse sexualmente imoral, que desonrasse a Deus, profanasse o sacerdócio e não atendesse à sua admoestação. Eli não consegue lidar direito com seus filhos porque são seus filhos, e ele permite que este fato seja um fardo para todos os outros. Vamos rever primeiramente o fracasso de Eli em lidar com seus filhos.
(1) Eli não consegue instruir seus filhos na Lei do Senhor, especialmente nos costumes dos sacerdotes.
(2) Eli parece “cego” aos pecados que estão bem debaixo do seu nariz - pecados sobre os quais ele deve ouvir de muitos israelitas. Esses pecados ocorrem nos mesmos lugares em que Eli esteve, ou deveria estar, em seu ministério sacerdotal. É quase inconcebível que ele não tenha percebido. Contudo, devo dizer que vejo muitos pais cujos filhos agem de forma errada diante deles, mas eles não conseguem ver seus erros. Receio que todos nós sejamos tentados a fazer vista grossa para as coisas que simplesmente não queremos ver. Eli está literalmente cego mas, com certeza, não está surdo. Ele não tem como deixar de saber o que acontece, a menos, é claro, que ele realmente não queira saber.
(3) Eli espera demais para corrigir os pecados de seus filhos. Mesmo depois de todo o Israel lhe contar sobre os pecados de seus filhos, Eli não age com muita rapidez. Sua tímida palavra de desaprovação e advertência é fraca demais e tardia demais. Tem-se a nítida impressão de que os pecados que se tornaram uma prática normal na vida de seus filhos são os mesmos evidenciados muito tempo antes, quando poderiam ter sido “cortados pela raiz”. Paternidade e procrastinação não se misturam.
(4) Eli não faz nada a seu alcance para corrigir seus filhos - ou, pelo menos, para opor-se à sua conduta pecaminosa. Uma coisa é Eli não saber o que seus filhos estão fazendo. Pelo menos seria compreensível se ele ignorasse a seriedade de seu pecado. Mas, pelas suas próprias palavras, sabemos que ele tem pleno conhecimento da sua gravidade. Ele sabe que a atitude dos filhos é pecaminosa, e que são pecados contra Deus. No entanto, quando seus filhos desprezam sua admoestação, ele simplesmente deixa de empregar outros meios à sua disposição. Ele deveria, e poderia, ter apedrejado seus filhos. Ele poderia tê-los removido do sacerdócio. Mas ele nada faz para pará-los depois que eles rejeitam sua admoestação.
Hoje, vejo pais torcendo as mãos da mesma forma que Eli, quando seus filhos se recusam a obedecê-los. Seus filhos não são todo músculos, com 2 metros de altura e 115 kg. Muitas vezes são crianças de 5 anos de idade, e os pais têm muitas opções. No entanto, depois de uma repreensão, quando a criança obstinadamente se recusa a obedecer, eles erguem os ombros como se dissessem: “O que mais posso fazer?” Preciso mesmo lhe dizer? Leia Provérbios; você pensará em alguma coisa.
(5) Eli não quer fazer com seus filhos aquilo que tem autoridade para fazer - porque não quer pagar o preço. Vamos admitir. Quando você e eu deixamos de disciplinar nossos filhos não é porque não tomamos a atitude que podemos tomar; não é porque não sabemos o que deveríamos fazer. É porque não estamos dispostos a pagar o preço de fazer a coisa certa - de fazer o que é melhor para nossos filhos e para nós. Talvez Eli receie perder o pequeno relacionamento que tem com seus filhos. Talvez tema perder o respeito por tomar uma atitude pública. Ele pode muito bem estar receoso de ter que voltar a comer o tipo de carne que não gosta. Ele tem medo de disciplinar seus filhos porque precisa demais daquilo que eles lhe dão, e que ele não quer perder.
(6) Eli não lida apropriadamente com seus filhos, mesmo quando é claramente advertido e instruído por Deus por meio de profecias, nem mesmo quando tem pleno conhecimento das conseqüências da falta de arrependimento e obediência com relação a seus filhos. Eli não pode alegar ignorância. Ele sabe que seus filhos são culpados. Ele será repreendido duas vezes por um profeta de Deus (o profeta sem nome do capítulo 2 e Samuel no capítulo 3). Ele não faz a coisa certa nem quando o próprio Deus chama sua atenção por sua desobediência.
(7) Eli honra muito mais a seus filhos do que a Deus. Este é o ponto principal, à vista de Deus. Eli está mais preocupado com seu relacionamento com seus filhos do que com seu relacionamento com Deus. Nosso Senhor Jesus deixou bem clara a questão dos relacionamentos:
"Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim. Quem acha a sua vida perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á.” (Mateus 10:34-39)
Nosso texto bate “em nossa porta” em diversos aspectos. Talvez pensemos que a conduta de Eli e seus filhos como sacerdotes não tenha nada a ver conosco, cristãos contemporâneos. Precisamos relembrar que também somos sacerdotes:
“Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo.” (I Pedro 2:5)
Também devemos relembrar que, embora Eli e seus filhos (e Samuel) ministrem no “templo de Deus” (I Samuel 3:3), o “lugar da morada de Deus”, nós somos “templo de Deus”, Sua “morada” e, quando causamos algum dano à Sua “morada”, esta é uma das coisas mais graves para Deus:
“Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito.” (Efésios 2:19-22)
“Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado.” (I Co. 3:16-17)
Não é de se estranhar que a conduta dos cristãos de Corinto (ver I Co. 5 e 6) e, especialmente sua conduta na igreja (ver I Co. 11:17 e ss), seja tão grave para Deus.
Nós, como Eli, precisamos educar nossos filhos na “disciplina e instrução do Senhor” (Ef. 6:4). Não devemos apenas instruir e admoestar nossos filhos, precisamos corrigi-los. Isto inclui o uso da “vara” de Provérbios. Esta não é uma licença para excessos e abusos, e os abusos não são desculpas para deixar de castigar um filho desobediente, quando a vara é um dos meios mais eficazes de correção. Muitos pais são controlados por seus filhos ao invés de mantê-los sob controle. E, mesmo quando nossos filhos estiverem crescidos, ainda seremos responsáveis por tratar biblicamente de seus pecados.
Para nós, pais, o ponto de partida é abrir mão de nossos filhos. Nosso Senhor diz que devemos tomar nossa cruz, que devemos morrer para nós mesmos, que devemos perder nossa vida para ganhá-la. Precisamos fazer o mesmo com nossos filhos. Estou começando a entender porque o grande teste de fé de Abraão foi se dispor a sacrificar seu filho (Gênesis 22). Vejo porque Jacó, que não queria perder seu filho José, e que se recusou a perder seu filho Benjamim, teve que abrir mão deles para poder ser “salvo” da fome (ver Gn. 37-45). Devemos fazer o mesmo. Não devemos achar que nossos filhos são a nossa vida, mas nosso Deus e, especialmente, nosso Salvador, Jesus Cristo. Em comparação com nosso amor por Deus, devemos “detestar” nossos filhos. Só assim ficaremos livres para tratá-los de forma que seja para o seu bem e para o nosso, e para a glória de Deus.
Pode acontecer dos filhos terem que disciplinar seu pai ou sua mãe. Como igreja, temos a dolorosa experiência de exercer a disciplina sobre o pecador renitente (ver Mateus 18:15-20). Quando aquele que está sob disciplina é um pai (ou mãe), há implicações e obrigações para os filhos, especialmente para os filhos mais velhos. Um filho ter que corrigir o pai não é nem um pouco mais fácil do que um pai ter que corrigir o filho. Mas, quando temos conhecimento do pecado - e das Escrituras que prescrevem nossa atitude diante dele - somos forçados a agir. Se nos recusarmos, como Eli, então nossa falha também será pecado.
A disciplina de que falamos se aplica à “família” maior, a igreja. Quando um “irmão” peca (ver Mateus 18:15), é nossa obrigação repreendê-lo, com vistas a seu arrependimento. Muitos cristãos preferem, como Eli, fechar os olhos e esperar que o problema se vá. Ele não irá; só ficará maior. Nossa culpa só aumenta com o tempo que deixamos passar sem agir em obediência à Palavra de Deus.
Que Deus possa nos conceder a graça de aprendermos de Eli e seus filhos, em vez de aprendermos com eles. Graças a Deus que Aquele que nos ordena a instruir e corrigir nossos filhos tem nos dado o exemplo pela maneira que nos trata como Seus filhos. Agradeçamos a Deus que Aquele que requer de nós que eduquemos nossos filhos de maneira piedosa é Aquele que nos dá a graça para fazê-lo.
A Deus seja a glória!
Bob Deffinbaugh
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Se não entende ainda sobre o que a bíblia diz sobre julgar, por favor leia os artigos abaixo!
Julgar ou não julgar?
É Pecado Julgar?
É correto julgar, expor o erro e citar nomes?
É sempre uma falta de amor criticar e julgar?
Muito obrigado!