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O mito da “nação cristã” [parte 02]

Nenhum símbolo ideológico pode substituir o simbolismo da cruz!

Nesta segunda parte quero comentar alguns pontos que ficaram de fora no primeiro artigo. [Leia a primeira parte aqui].

O texto essencial para quebrar o mito da “nação cristã” é a famosa frase de Jesus: “Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" [Mateus 22.21]. Jesus Cristo não está falando que há duas dimensões onde em uma Deus age soberanamente e em outra o homem vive como absoluto. O principal ensinamento desse texto é: o Reino de Cristo não é um Estado. O Reino de Cristo não é uma teocracia. Há uma clara separação entre a Igreja (Reino de Cristo) e o Estado (reino de César).

É uma pena que alguns cristãos insistam na ideia de uma “teocracia cristã” baseados em textos do Antigo Testamento. Não é somente um problema de civilidade, mas também de péssima hermenêutica. É o que eu chamo de “hermenêutica judaizante”, ou seja, aquela velha tendência de trazer elementos conceituais da Antiga Aliança para a Nova Aliança. O cristianismo é em essência uma “religião” que nasce separada de propósito estatal. É também uma pena que por tantas vezes a cristandade se casou apaixonadamente com o Estado.

O judaísmo da época de Cristo tinha sérias dificuldades para justificar teologicamente o pagamento de impostos ao Império Romano. Mas Jesus, ao apresentar a separação religião-Estado, quebra esse dilema. O grande teólogo D. A. Carson escreve:

Os judeus, com sua herança teocrática, eram mal equipados para formular um argumento teológico justificando o pagamento de tributos para governantes estrangeiros e pagãos, a menos que eles, como os judeus no exílio, interpretassem sua situação como de julgamento divino. Mas não era só o monoteísmo judaico que ligava religião e Estado. O paganismo, em geral, insistia ainda mais firmemente na unidade do que distinguimos como obrigações civis e religiosas. [1]

Em Jesus há uma tremenda quebra de paradigma: o Estado não será depositário da fé. Nada de teocracia. César no seu lugar limitado. Deus, o Todo-Poderoso, em todo o universo. Cada um em seu lugar. “Este pronunciamento da máxima importância feito por Jesus mostra que Ele distinguia o secular e o sagrado sem cindi-los, e que distinguia sem unificar as duas esferas em que os seus discípulos têm de viver. Eles são cidadãos de suas cidades, a terrena e a celeste, e têm deveres a cumprir em ambas”, como escreveu R. V. G. Tasker [2].


Misturar Estado e Igreja é um grande sacrilégio!

É conhecido de nós que muitas igrejas na Alemanha nazista aderiram com entusiasmo ao programa totalitário de Aldoph Hitler. Havia, inclusive, um amplo programa estatal para a criação da Igreja Nacional do Reich, ou seja, literalmente uma congregação de essência nazista. Entre os artigos, mostrados no ótimo livro de Erwin Lutzer, estava aquele que simboliza o estremo da mistura Igreja e Estado: “No dia de sua fundação, a cruz cristã deverá ser removida de todas igrejas, catedrais e capelas [...] para ser substituída pelo único símbolo invencível, a suástica” [3]. A suástica substituindo a cruz chegou a virar realidade. O simbolismo é fortíssimo e o alerta é ainda maior!

Messianismo

Ora, parte do mito reside na esperança messiânica que alguns evangélicos nutrem pela figura de um presidente evangélico. Ora, os evangélicos brasileiros esquecem que já tivemos dois presidentes protestantes (e um deles para vergonha nossa). Há realmente quem acredite que o nosso país será abençoado com a figura de um “crente” na presidência. Esse messianismo ficou evidente na eleição de 2002, onde Anthony Garotinho era o “candidato dos evangélicos”. O mesmo Garotinho que é herdeiro do brizolismo, ou seja, um populismo demagogo com tendências de gestão desastrada. O brizolismo foi responsável pela decadência do Rio de Janeiro nas últimas três décadas.

O primeiro presidente protestante deste país foi João Fernandes Campos Café Filho, vice de Getúlio Vargas, que assumiu o posto após o suicídio do presidente no ano de 1954. Mas Café Filho passou pouco mais de um ano no poder. Café Filho era membro da Igreja Presbiteriana do Brasil em Natal (RN). O general Ernesto Geisel, que exerceu o mandato de 15 de Março de 1974 a 15 de Março de 1979, foi o segundo presidente protestante tupiniquim. Geisel era membro da Igreja Luterana no Rio Grande do Sul. Portanto, em plena Ditadura Militar, o povo evangélico teve um “representante”. Grande coisa!

Vejam que coisa temerária! Garotinho é filho político do populista demagogo Leonel Brizola. Café Filho era vice de outro grande populista: o demagogo e autoritário Getúlio Vargas. E o Ernesto Geisel? Ele em si encarnava todos esses valores do atraso: autoritarismo, estatismo e nacionalismo. Ora, ora... esses representantes foram bênçãos ou maldições para o Brasil? Acho que a segunda opção está mais próxima da realidade.

Depositar esperanças em um candidato presidencial messiânico não é pecado exclusivo dos evangélicos. Em 2008, a campanha democrata norte-americana ungiu Barack Obama como o “salvador do mundo”. Obama ganhou e está sendo um presidente como outro qualquer. E o messianismo em torno de Marina Silva? Apesar da minha simpatia por ela (a quem julgo inteligente e bem intencionada) eu fiquei espantado como muitos a tratavam em 2010 como a grande salvadora do Brasil e, quem sabe, do mundo. Infelizmente, o ambientalismo se tornou outro grande depositário de fé messiânica.

Portanto, é sempre temerário a mistura da Igreja com o Estado. É um casamento infeliz e adúltero. E o messianismo sem Jesus Cristo e posto em figuras políticas é a raiz de toda sorte de autoritarismo. A Igreja não pode trocar a cruz por outro símbolo ideológico qualquer!

Gutierres Fernandes Siqueira

Referências bibliográficas:


[1] CARSON, Donald Arthur. O Comentário de Mateus. 1 ed. São Paulo: Shedd Publicações, 2010. p 534.


[2] TASKER, R. V. G. Mateus: Introdução e Comentário. 1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1980. p 167.


[3] LUTZER, Erwin. A Cruz de Hitler. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2003. p 150.

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