Os milagres
de Cristo podem ser classificados em dois sistemas. O primeiro sistema inclui
as classes: (1) Milagres de Fertilidade; (2) Milagres de Cura; (3) Milagres de
Destruição; (4) Milagres de Domínio sobre o Inorgânico; (5) Milagres de Inversão;
(6) Milagres de Santificação (ou de Glorificação). O segundo sistema, que
atravessa o primeiro, produz apenas duas classes: (1) Milagres da Velha Criação
e (2) Milagres da Nova Criação.
Sustento a
ideia de que em todos esses milagres o Deus encarnado realiza, repentina e
especificamente, algo que Deus já tenha feito ou fará em geral. Cada milagre
escreve para nós em letras miúdas aquilo que Deus já escreveu ou escreverá em
letras quase que grandes demais para serem notadas na ampla tela da Natureza.
Eles convergem para um ponto particular das operações atuais ou futuras de Deus
no Universo. Quando reproduzem as operações que já vimos numa escala maior,
trata-se dos milagres da Velha Criação; quando convergem para o que ainda está
por vir, são milagres da Nova Criação. Nenhum deles é isolado ou anômalo: cada
um traz a assinatura do Deus a quem conhecemos por meio da consciência e da
Natureza. Sua autenticidade é confirmada pelo estilo.
Antes de
continuar, deve dizer que não me proponho a fazer a pergunta, discutida há
pouco: se Cristo foi capaz de realizar essas coisas apenas porque era Deus ou
também porque era perfeitamente homem. Pois é possível entender que, se o Homem
nunca tivesse caído, poderia agir com o mesmo poder. Uma das glórias do Cristianismo
é podermos responder a essa questão: “Não importa”. Quaisquer que tenham sido
os poderes do homem antes da Queda, os do Homem remido, ao que tudo indica,
serão praticamente ilimitados¹. Cristo, ao ascender novamente aos Céus, faz
subir com Ele a Natureza Humana. Aonde Ele vai, ela o segue, e irá
“assemelhar-se” a Ele². Se em Seus milagres Ele não age como Velho Homem
deveria tê-lo feito antes da Queda, então é porque está agindo como todo Novo
Homem agirá depois da redenção. Quando a humanidade, que Ele carregou nos
ombros, passar com Ele das águas gélidas e escuras para a água verde e morna, e
finalmente em direção à luz do sol e ao ar puro, ela também será luminosa e
colorida.
Outra forma
de expressar o verdadeiro caráter dos milagres seria dizer que, embora isolados
de outros atos, eles não se acham separados em nenhum dos dois modos que
costumamos supor. Por um lado, não estão isolados de outros atos Divinos: eles
agem em escala reduzida, fazendo aquilo que Deus outras vezes realiza em tão
grande escala que os homens nem prestam atenção. Por outro lado, não estão
isolados, como supomos, de outros atos humanos: eles antecipam poderes que
todos os homens terão quando forem também “filhos” de Deus e entrarem nessa
“gloriosa liberdade”. O isolamento de Cristo não é o de um prodígio, mas o de
um pioneiro. Ele é o primeiro de sua espécie, mas não será o último.
Voltemos à
nossa classificação e tratemos primeiro dos Milagres da Fertilidade. O primeiro deles foi a conversão da água em vinho, nas
bodas de Caná. Esse milagre proclama que o Deus de todo vinho está presente. A
videira foi uma das bênçãos enviadas por Javé. Ele é a realidade por trás do
falso deus Baco. A cada ano, como parte da ordem Natural, Deus faz o vinho.
Isso se realiza pela criação de um organismo vegetal que pode transformar a
água, o solo e o sol num suco que, sob condições adequadas, se transformará em
vinho, pois este, como todas as bebidas não passa de água modificada. Uma vez,
e apenas num ano, Deus, agora escarnado, reduz o processo: transforma a água em
vinho num momento, usando jarras de barro em vez de fibras vegetais para reter
a água. Contudo, faz uso deles para realizar o que faz sempre. O milagre
consiste no atalho, mas o fato a que ele conduz é comum. Se o fato já
aconteceu, sabemos então que o que invadiu a Natureza não foi um espírito
antinatural, tampouco um Deus que ama a tragédia, as lágrimas e o jejum com um fim em si mesmos (embora os permita
ou exija com fins especiais), mas o Deus de Israel que através de todos os
séculos proporcionou o vinho para alegrar o coração humano.
Outros
milagres que se incluem nessa categoria são os dois casos da multiplicação
milagrosa. Eles envolvem a multiplicação de um pouco de pão e alguns peixinhos
em muitos pães e muitos peixes. Certeza vez, no deserto, Satanás tentou Jesus a
transformar pedras em pão. Ele recusou: “O Filho não pode fazer nada de si
mesmo; só pode fazer o que vê o Pai fazer”. Talvez seja ousado afirmar que a
conversão direta da pedra em pão pareceu ao Filho não se enquadrar no estilo
hereditário – pouco pão em muito pão. Todo ano, Deus transforma um pouco de
trigo em muito trigo: a semente é plantada, e há uma multiplicação. Os homens
dizem então, cada um à sua moda: “É a lei da Natureza” ou: “É Ceres, é Adônis,
é o Rei-Trigo”. Mas as leis da Natureza não passam de um padrão, nada resultará
deles a não ser que, por assim dizer, possam dominar o Universo e fazê-lo
realmente funcionar. Quanto a Adônis, ninguém sabe dizer onde morreu ou quando
ressuscitou. Aqui, na alimentação dos 5 mil, está Aquele a quem adoramos sem
saber: o verdadeiro Rei-Trigo que
morreu e ressuscitou uma vez em Jerusalém durante o governo de Pôncio Pilatos.
Nesse mesmo
dia, Ele também multiplicou os peixes. Olhe para qualquer baía e para quase
todos os rios: o fervilhar ondulante, a fecundidade que podemos perceber
mostram que Ele ainda está operando e “enchendo as águas dos mares”. Os antigos
tinham um deus chamado Gênio, o deus da fertilidade animal e humano, o patrono
da ginecologia, da embriologia e do leito conjugal – o leito “genial” como o
chamavam, em homenagem ao seu deus. Gênio porém, não passa de outra máscara
para o Deus de Israel, pois foi Ele que no princípio ordenou a todas as
espécies: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra!”. No
dia em que a multidão foi alimentada, o Deus encarnado
fez o mesmo. De maneira reduzida, sob Suas mãos humanas – mãos de trabalhador
-, fez o que sempre fez nos mares, lagos e rios.
C.S. Lewis, Milagres
p. 204-208
¹ Mateus 17:20; 21:21; Marcos 11:23; Lucas 10:19; João 14:12; 1 Coríntios 3:22; 2 Timóteo 2:12
² Filipenses 3:21; João 3:1-2
¹ Mateus 17:20; 21:21; Marcos 11:23; Lucas 10:19; João 14:12; 1 Coríntios 3:22; 2 Timóteo 2:12
² Filipenses 3:21; João 3:1-2
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