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O juiz Jeronymo Pedro Villas Boas esteve no centro das atenções do Brasil por causa da polêmica decisão de anular uma união estável entre doi shomens. Segundo ele, a medida foi adotada por causa da falta de previsão constitucional para este tipo de situação. Para o magistrado, o Supremo Tribunal Federal não pode modificar a Constituição, tarefa que cabe ao Poder Legislativo. Admite que, caso a lei seja alterada, pode rever a forma de atuar nessa situação.
Ele provocou polêmica em nível nacional quando decidiu anular a união civil selada por um casal homossexual em Goiânia – a primeira no País, depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a questão. O juiz Jeronymo Pedro Villas Boas garante que não se trata de decisão pessoal ou baseada em princípios religiosos, já que é pastor evangélico e frequenta cultos: “Ato de casamento entre pessoas do mesmo sexo não é apto a gerar família, no conceito natural e constitucional atual. Amanhã, mudando a lei, eu, como juiz, vou me submeter à Constituição”, argumenta. Ele insiste na valorização do Poder Legislativo constituído no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e nas câmaras de vereadores como agentes do debate e da transformação.
PERFIL:
Jeronymo Pedro Villas Boas
Jeronymo Pedro Villas Boas , de 45 anos. Exerce a magistratura há quase 20 anos. É atual vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) em Goiás e diretor de assuntos institucionais da Associação dos Magistrados de Goiás (Asmego). Antes de assumir a 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal de Goiânia, atuou na Vara da Família e também na Auditoria Militar.
Laisa Cristina – O magistrado acha que anulando a união estável de casais gays vai mudar alguma coisa realmente? Acha que isso vai diminuir a quantidade de homossexuais no mundo?
Não se trata de achar que uma decisão judicial pode mudar comportamentos. O juiz decide de acordo com a sua livre consciência e sob o aspecto, o foco do caso concreto. A decisão é uma decisão individualizada, para um caso singular, que chegou ao meu conhecimento pela imprens. A partir desse momento, como juiz de registro público, eu avoquei o ato, para controle do ato concreto e não de todos os atos que tenham sido praticados. Por um simples fator: porque esse ato, como a mídia divulgou, teria tido a forma de um casamento; houve um reconhecimento de união com os contornos de formação de família. Como pessoas do mesmo sexo não formam família, segundo o que está ordenado no sistema legal brasileiro, eu pedi cópia do ato ao tabelião para fazer o controle de legalidade. Não se trata, então, de decidir para impactar a sociedade a favor ou contra esse tipo de relacionamento, porque, na vida privada, as pessoas são livres para se determinarem na forma que entenderem.
Demerval Junior – A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), da qual o senhor é vice-presidente em Goiás, poderia tomar alguma atitude concreta – como a que o senhor sabiamente tomou – a fim de chamar a atenção da população para o absurdo que foi, na prática, o Supremo Tribunal Federal (STF) como que declarar inconstitucional um item da própria Constituição Federal e, por isso, agir como o Legislativo? Caso afirmativo, quais seriam essas atitudes? O senhor pretende sugei-las àquele organismo?
A AMB não é parte no processo que está em curso no Supremo. Não se trata de uma ação iniciada como reclamação de descumprimento de preceito fundamental. Nestes autos, a AMB não participa, não tem interesse processual para fazer recursos ou intervir. A AMB não se envolve nesse tipo de questão enquanto entidade, porque ela envolve (um conjunto de) juízes. Não há interesse da AMB. Pelo que soube, a AMB emitiu uma nota, reforçando a autonomia do juiz de julgar conforme suas convicções. É isso o que regime democrático garante. A intenção da AMB é, portanto, garantir que cada juiz, independentemente do tipo de decisão que ele dê, tenha liberdade e o faça na sua esfera de conhecimento, desde que de acordo com a Constituição e as leis. O juiz é mero aplicador de leis constitucionais.
Marco Aurelio Alves Vicente – Gostaria de saber a opinião do magistrado em relação ao Projeto de Lei nº 122, que trata, segundo os seus idealizadores, do combate a homofobia.
Antes de tudo, eu digo que a homofobia é um conceito dúbio. Tem apenas o sentido de rotular pessoas que pensam diferente daqueles que pretendem uma liberalização dos comportamentos morais. No Brasil, não há o discurso do ódio, não há discurso contra aquelas pessoas que têm comportamento homossexual. Tanto que há uma liberdade muito grande para que essas pessoas frequentem locais, participem de reuniões, estejam inseridas na sociedade, trabalhem em órgãos públicos e empresas privadas, sem qualquer discriminação. Ontem (na quarta-feira), por exemplo, eu saí do Senado e pude observar uma pessoa travestida de mulher entrando no Senado para trabalhar; é funcionária do Senado e não tem o seu acesso, ali, vedado, por quem quer que seja, porque as pessoas, no Brasil, são livres. Agora, esse não é o foco da discussão. O que existe é a discussão se a relação entre duas pessoas do mesmo sexo – que é fática, pois ela existe -, se essa entidade é ou não família. Na minha concepção, a família só se forma a partir de um núcleio básico, formado entre homem e mulher, e somente a relação entre homem e mulher é capaz de gerar filhos ou prole. E o Estado protege a família porque, ao proteger a família, garante a sua subsistência como Estado. Porque o Estado não foi constituído, não foi construído para durar apenas uma geração. Se o for, não há problema alguma em trabalhar o conceito de família para qualquer outro tipo de relação (que não a relação entre homem e mulher).
Armando Acioli – Em dois sucessivos artigos publicados na segunda quinzena de maio em O POPULAR, intitulados Decisão Arbitrária e Imoral e Legalizar o Descaramento?!, analisei, com argumentos constitucionais, jurídicos, éticos, morais e bíblicos, o procedimento avesso e contraditório do Supremo Tribunal Federal. Entendo que V. S. foi até generoso com o Supremo, que vem agindo na contramão da honra nacional e da respeitabilidade da família brasileira. Como a maioria do Congresso está alugada ao Executivo centralizador, V.S. não acha que as instituições sérias do País, inclusive a Associação dos Magistrados do Brasil, devem se mobilizar para recorrer ao Tribunal Internacional de Haia, a fim de anular a espúria comparação do Supremo?
Há, hoje, uma mobilização do Congresso para discutrir a PEC 3211, de proposta de um deputado federal, que pretende ampliar o controle de atos normativos pelo Senado para alcançar o Poder Judiciário. Embora eu veja com reservas essa PEC, porque ela pode vir a ferir a autonomia do Poder Judiciário, não entendo que o Senado ou a Câmara dos Deputados estejam sem atitude quanto à questão. O problema é que há um ponto de sensibilidade muito forte, porque nós não temos claro na Constituição ou na prática constitucional até onde vai a autonomia, o limite de cada poder. Os poderes, como são constituídos no sistema brasileiro, não mantêm funções puras, eles são híbridos. O Executivo tem o poder de lançar medida provisória, o Legislativo baixa decreto, o Judiciário, além de julgar, baixa atos normativos… Então, há uma miscelânea de funções que cada poder exerce dentro da sua competência. O STF não está dentro do conceito de soberania nacional, submetido à Corte de Haia, de modo que não há como levar essa questão a um tribunal internacional. Há como, ainda, essa questão voltar à pauta do Supremo, porque o acórdão não foi ainda publicado. E creio que, assim que ele seja publicado, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que está habilitada nos autos como assistente e que tem interesse recursal, deva exercer um recurso de embargos naquele processo. Se ele vai ser admitido ou não, é uma questão do Tribunal, que tem autonomia para analisá-lo.
Boadyr Veloso Júnior – Segundo o ministro relator Ayres Brito “as normas constitucionais não distinguem o gênero masculino e feminino”, razão pela qual somente estaria vedado o reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar se a Constituição expressamente o proibisse. No silêncio reside o consentimento sistemático da ordem constitucional. Tal fundamentação não cria um precedente, no mínimo, problemático? Ora, se as normas constitucionais não distinguem “por gênero”, também não o fazem “por número” de parceiros. Sob este prisma, a decisão do STF também abre a via para o reconhecimento do núcleo poligâmico (um homem e várias mulheres ou vice-versa) como entidade familiar. O senhor não acha que, para evitar imbróglios judiciais desta envergadura, a palavra final sobre o assunto deveria ser entregue – via plebiscito – nas mãos do povo brasileiro, ao invés de delegada aos nobres Congressistas e Ministros do STF?
Tenho dito que, onde passa um boi, passa uma boiada. A decisão do STF tem um foco imediato de ampliar o conceito de família instituído pelo artigo 226 da Constituição Federal para alcançar os núcleos de convivência entre pessoas do mesmo sexo. E com fundamentação um pouco eclética, porque, pelo que eu li dos votos declarados, além do voto do relator, a fundamentação que o STF busca é de garantir a dignidade da pessoa humana e de igualdade de todos perante a lei. Parece que o Supremo não se atentou (para o fato de) que o Brasil recepcionou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, no seu artigo 16, expressa que núcleo familiar é aquele constituído por homem e mulher, e que este núcleo é a célula-base da sociedade. Este é o teor daquela norma. A partir da emenda constitucional 45, de 2004, nós temos hoje, no sistema jurídico nacional, a expressão forte e firme de que a família só pode se constituir a partir de um homem e de uma mulher. Quando você dilata o conceito, evidentemente que está possibilitando que outras maneiras de se formar núcleos de convivência possam ter o mesmo alcance de proteção do Estado, como se família fosse. Não só a família poligâmica, como também a poliândrica. Esses tipos de relacionamento, dentro da nossa cultura cristã e da nossa cultura fundamentada na moral que a sociedade brasileira, ao longo de sua existência, sedimentou, não constituem família, mas, dentro de um conceito que se amplia, um dia, quem sabe, isso possa ser incluído, a partir de decisões judiciais. O que tenho afirmado é que o Poder Judiciário não pode legislar, isso é tarefa eminentemente legislativa. Por que falo isso? Porque a forma de acesso de um juiz no Brasil à magistratura é feita por meio de concurso público. E ele é aferido por uma série de provas e avaliações que buscam saber se ele conhece o Direito. O parlamentar tem uma outra forma de acesso, que é via voto popular. Ele tem de ter um partido político, esse partido político tem de ter um programa, ele tem de se submeter a um processo de candidatura, precisa ser votado, essa votação tem de ser legítima para que ele seja diplomado, para que, só aí, possa assumir o cargo de deputado. No Congresso, deputados e senadores vão discutir as propostas, vão debater as propostas, vão formar comissões técnicas, vão fazer audiências públicas, vão ouvir pessoas, vão ouvir seus eleitores, até o momento em que um projeto seja votado, aprovado, promulgado, publicado e, de fato, vire lei. O processo é diferente daquele em que um juiz, monocraticamente, ou um grupo de juízes, num tribunal, decide ou decidem uma questão para valer para todos. No sistema democrático, a lei vale quando ela advém do Parlamento. O Judiciário não pode legislar, não pode acrescer ponto nem vírgula na Constituição. A constituição é aquilo que ela é. E a constituição é uma constituição formal, que foi escrita, e material, porque há um conjunto de valores que determinou que aquela constituição fosse escrita daquela maneira.
O senhor, então, não é favorável ao plebiscito para decidir esse tipo de questão…
A população decide questões como essa com o voto em seus deputados e senadores. O Parlamento é o órgão que deve debater, discutir e formular leis para resguardar ou não direitos não só desse teor, como também relacionados a outras questões, como, por exemplo, o aborto e a eutanásia, que são questões que estão surgindo no Brasil e estão em debate no mundo todo. Eu creio que o Judiciário pode vir e agir nos casos concretos, pode fazer a discussão de preceitos, de aplicabilidade, de constitucionalidade ou não de alguns preceitos, mas nunca como legislador. Não cabe referendo nem plebiscito nesse caso. Isso sim, geraria um discurso, um debate discriminatório. A minoria formada por homossexuais tem representates eleitos, que estão discutindo democraticamente esses direitos no Parlamento. E isso é muito bom para a democracia, porque esse debate vai produzir as condições para o Congresso legislar. Por isso, volto a afirmar: chegou o momento, na história do Brasil, de o Congresso Nacional, de as Assembleias Legislativas, de as Câmaras de Vereadores serem valorizados como órgãos que ditam e que fazem leis. Porque a sua formação é plural, é democrática, ali há essência de democracia. Dentro do Parlamento é que essas questões surgem e são discutidas.
Carolina Pereira – Levando em consideração a teoria tridimensional do direito, do jusfilósofo Miguel Reale, em que todo fato que passa a ser valorizado na sociedade deverá ser normatizado, o senhor considera que a união homoafetiva necessita de urgente normatização, mesmo que através de pronunciamento judicial para suprir lacuna legal, ou o senhor considera desnecessário tal posicionamento legal acerca do tema?
Há um integrante da Suprema Corte Argentina que faz um comparativo importante na sua obra de direito penal. O legislador vê, primeiro, os fatos. Valora esses fatos, para saber se aqueles fatos todos que estão no meio social são dignos ou não da sua apreciação para se tornar lei, e, como lei, ter eficácia para toda a sociedade. A tarefa do legislador é justamente essa: saber se esses fatos do cotidiano, se essas relações, a maneira como elas ocorrem, estão necessitando que sejam disciplinadas. O olhar do juiz é inverso: ele, primeiro, olha para a lei, que foi feita pelo parlamentar. Depois, ele avalia a sua normatividade e, depois, dá aplicação concreta a essa lei, segundo os fatos. Um juiz não pode olhar, primeiro, os fatos. A quantidade de litígios envolvendo esse tipo de caso é muita pequena no Brasil. Estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo o próprio ministro Fucs, diz que não chega a 60 mil o número de casais homossexuais no Brasil. O Código Civil já confere segurança, por meio da escrituração, para que (esses casais) estejam resguardados em caso de eventual separação, de dissolução da sociedade ou de morte, sendo que alguns autores até recomendam que esses parceiros façam testamento para evitar problemas futuros de cunho hereditário. Eu tive a oportunidade de julgar um caso desses, como juiz de família, assegurando a uma parceira o direito de meação no inventário. Talvez tenha sido uma das primeiras decisões no Brasil, nesse sentido, quando eu era juiz em Morrinhos, em 1997 ou 1998. Garanti a ela o direito de participar na herança. As duas tinham um comércio, uma microempresa, e todo o patrimônio estava em nome da que falecera. De modo que não é uma questão de negar os direitos das pessoas homossexuais, mas, sim, de dizer que a relação entre dois homens e duas mulheres não forma uma família, porque não há condição natural de este núcleo gerar filhos.
Carolina Pereira – Um dos princípios norteadores do Direito de Família é o da Liberdade ou não intervenção, constante do artigo 1.513 do Código Civil. O senhor não vê a sua decisão como uma afronta à esse princípio, fundamentando-se em impossibilidade de formação de prole? Qual o fundamento para a decisão ex officio neste caso?
Há muito o direito civil foi constitucionalizado no Brasil. A visão antiga de que as normas que regulam o direito civil estavam acima da Constituição já se perdeu no tempo. O nosso sistema jurídico é um sistema constitucional. O intérprete, ou o juiz que aplica uma lei, não aplica com o olho apenas naquele preceito, ele tem de ver o conjunto do ordenamento jurídico e, principalmente, os princípios que determinam a existência da quela norma ou daquele preceito. O juiz, ao concretizar a aplicação da lei, deve fazer uma ponderação para saber qual princípio, naquele momento histórico, deve atuar com maior força, e ter como base um princípio da Economia que se chama princípio da taxatividade negativa. Ele determina que o princípio de menor força recue para que que aquele que tem uma maior força atue. Só que, aquele que recua, condiciona o princípio de maior força… É nesse balanço, na razoabilidade de aplicação do preceito, que um juiz deve manter a sua decisão, formar a sua opinião e concretizar a aplicação da lei. Neste aspecto, não é a norma de autonomia de vontade que determina o que forma a família no Brasil. O que determina a formação da família no Brasil é a norma constitucional, que, taxativamente, diz quais os tipos de relação formam família e merecem proteção do Estado, e, também, o núcleo moral da sociedade, a constituição material. A liberdade e a autonomia absolutas de comportamento encontram limites no sistema brasileiro. Nós sabemos, e isso é básico, que a liberdade de um termina onde começa a liberdade de outro. Há um equilíbrio.
Josiane Coutinho – O senhor esta a serviço de um estado laico, ou que pelo menos deveria ser. Se o senhor é pastor evangélico como afirmar que sua decisão não possui fundamentalismo religioso?
As pessoas têm de compreender que o Estado não é um ente figurativo. O Estado Brasileiro, de modo algum, é laico; o Estado Brasileiro é aconfessional. Num primeiro momento da história brasileira, com a Constituição escrita em 1823 e promulgada em 1824, a Constituição do Império, o Brasil se tornou um estado confessional. A Igreja Católica Apostólica Romana era a igreja oficial no Brasil. Vivíamos um momento em que o Estado e a Igreja formavam um bloco administrativo. A partir de 1836, quando o Império começa a se degradar no Brasil, aquele Estado escravocrata, que não admitia a liberdade religiosa, que não admitia cultos em locais privados e com aspecto de templo, porque a Igreja oficial existia, começa a se diluir e inicia-se um movimento no Brasil para estabelecer-se a República, que vem em 1889, e muda o regime político brasileiro. Nós saímos do Império e entramos na República com uma concepção diferente de relação entre Estado e Igreja. Rui Barbosa, que era senador, mas, antes disso, funcionava como consultor de um governo provisório de Deodoro da Fonseca, escreve um decreto chamado 119-A, que estabelece a separação entre Estado e Igreja e admite a possibilidade de as religiões se organizarem como entidades privadas. Ao fazer isso, a República não laicisiza o Estado, ela torna o estado aconfessional. O que acontece hoje, sob a ótica da atual Constituição, é que o Estado não pode intervir na autonomia privada das entidades religiosas, não pode ditar normas para o culto e não pode subvencionar as igrejas. Mas não existe essa separação imaginária entre a Igreja e o Estado. O Estado tem uma relação muito próxima com a Igreja ainda, e com todas as religiões. Há uma participação intensa entre os governos e as diversas religiões que se formam. Porque a sociedade brasileira é religiosa. Se você buscar os censos do IBGE, vai ver que a maioria do povo declara uma crença, uma fé, uma religião. A Constituição da República é uma constituição da sociedade; se a sociedade é religiosa, a República possui, na sua formação, princípios religiosos. De modo que esta visão de um Estado laico, que acha que um juiz não pode ser pastor ou membro de um centro espírita, é algo muito pequeno. A convicção de fé em um Deus, um Ser Inteligente e Criador, é algo natural e algo da essência humana, ressavaldo o direito daqueles de não crer Nesse Deus. Não fico constrangido de ser juiz e pastor. Eu fico honrado em ser pastor e honro a magistratura. Não julgo sob preceitos religiosos; minhas decisões são jurídicas e fundamentadas na Constituição. Estão dizendo que afrontei o STF. Eu admito que não afrontei a Constituição.
Robson Jaime de Matos (via e-mail) – Lendo a reportagem sobre o juiz Jeronymo Villas Boas, no aspecto que ele diz que casais homoafetivos não formam uma família pois não podem gerar prole, reflito: um casal formado por homem e mulher, se um deles for estéril, também não formam uma família? O juiz irá cancelar este tipo de casamento?
Isto é um sofisma. É evidente que tenho a consciência de que existem casais que, por problemas de infertilidade ou por opção de não conceber, não geram filhos. O que estou dizendo, e isso é muito claro, é que somente esse tipo de relação (entre homem e mulher) gera a condição natural de procriação. E que o Estado tem interesse em proteger a família formada entre homem e mulher porque o Estado, como resultado da organização da sociedade, tem a intenção de perenidade. O fato de um casal heterossexual não gerar filhos não descredencia ou desfaz o argumento. O que estou dizendo é que somente a relação entre homem e mulher forma uma família, e que dela é que advém a prole que perpetua a existência do Estado. Aliás, o conceito não é meu, é de George Del Vecchio, uma aula em 1920, na Univversidade de Roma. É um dos maiores filósofos do Direito do século passado, que estudou na sua essência a genesis do Estado.
João Camargo Neto – O senhor tem alguma filiação partidária? Se candidataria a algum cargo público caso fosse convidado por alguma liderança política? Se fosse detentor de mandato, qual seria sua principal bandeira?
Ao juiz é vedado, na Constituição e eu obedeço a Constituição, a atividade político-partidária. Eu não tenho filiação partidária. Tive, antes de adentrar na magistratura. Não tenho pretensão nenhuma de candidatura, porque fiz uma opção pela magistratura, por vocação. Eu não sou magistrado por interesse, por … , por não ter competência para ter outro emprego, eu sou magistrado porque optei por isso. Ao mesmo tempo em que passei neste concurso, passei para também em outros concursos, inclusive do Ministério Público do Distrito Federal, e optei por seer juiz enm Gouiás. Creio que bandeiras, sonhos, o homem deve ter. Construir uma sociedade fraterna, onde as pessoas se respeitem e tolerem umas às outras, onde as premissas do amor se sobreponham ao ódio, é um dos meus sonhos. Porque tenho filhos, e espero que as gerações futuras tenham capacidade de resolver melhor os problemas sociais, principalmente os relacionados às drogas, contra a degradação da família, contra a degradação dos valores que norteiam uma sociedade sadia. As pessoas que t~em uma orientação sexual diferente, que optam pela homossexualidade, têm os mesmos direitos de viver em sociedade e em fraternidade com os demais membfros dessa sociedade. O que eu estou dizendo, nas minhas decisões, é que ato de casamento entre pessoas do mesmo sexo não é apto a gerar família, no conceito natural e constitucional atual. Amanhã, mudando a lei, o legislador constitucional alterando a Constituição, eu, como juiz, vou me submeter à Constituição.
Mazukielves E Kleber Morais – O direito à vida e à liberdade é somente para pessoas heterossexuais? Somos iguais perante a lei dos homens, visto que, perante o entendimento do magistrado, não somos iguais perante a Lei de Deus?
A questão não é relacionada à igualdade, mas até onde vai o direito da minoria ou das minorias, compreendendo minorias como grupos sociais que têm interesses comuns e que se pautam por comportamentos que não são o da maioria da sociedade. Acredito, em minha formação jurídica, que o Estado não deve se colocar ao lado da minoria, como afirmou o ministro Fucs. O Estado é árbitro de conflitos e deve se pautar pela neutralidade quando trata de questões que envolvem grupos minoritários em conflito com grupos majoritários. É preciso valorizar o Parlamento como local de debate dessas questões. Não é o Judiciário que dita esse tipo de norma, é a sociedade, elegendo os seus representantes. É o Parlamento que vai criar as condições para que algo torne-se ou não constitucional, torne-se ou não legal, e, como lei, se torne algo que seja exigido de toda a sociedade.
Edilberto De Castro Dias – Quais as razões jurídicas e competência da Vara Municipal para a anulação de oficio do Contrato particular entabulado pelas partes e porque não foi oportunizado prazo para apresentação de defesa para os mesmos assegurando a ampla defesa e o contraditório ?
Um juiz de registro público faz controle de legalidade de ato notorial, individualizado. Porque? Para que estes registros se pautem pela segurança dos próprios interessados. A relação não se faz entre o juiz e aquele que fez a escritura, a relação se faz entre o juiz e o tabelião que praticou o ato, porque o tabelião pode se negar a fazê-lo. Quando ele faz, o ato está sujeito a controle do juiz de registro público. O juiz faz o controle e notifica o tabelião, e o tabelião é quem notifica os interessados naquele ato que foi revogado ou não, para que os interessados usem dos instrumentos jurídicos nas ações jurídicas que têm interesse. Vale, aqui, explicar algo: um casal heterossexual, para ter uma união estável reconhecida, declarada, não basta ir a um cartório e registrar uma escritura. O casal tem de buscar o Judiciário, fazer uma ação de declaração de existência de sociedade de fato, passar por um período de prova, levar testemunhas para serem ouvidas pelo juiz, o Ministério Público precisa atuar como fiscal dos requisitos necessários, para por fim, vir uma declaração de um juiz afirmando que aquela união constitui uma união estável de fato. Eu fui juiz de família muito tempo em Goiânia. Só depois dessa sentença é que esse casal, heterossexual, pode abstrair do seu relacionamento todos os direitros, inclusive para converter essa união em casamento. Não é ir lá no cartório e declarar. Então, o ato, nesse sentido, padece de legalidade. A minha interpretação não faz discriminação nenhuma.
Eduardo Valderramas (via Twitter) – Por que o interesse em agir de ofício? Quantos processos tem sob gestão? Age de oficio nos demais processos?
Um juiz tem de agir de ofício. Se tiver notícia de outros atos, vou agir de ofício. E não se trata de volume ou de quantidade de processos que tenho em curso. Tenho cerca de 80 mil processos em curso, a minha vara está razoavelmente em dia, eu sou um juiz que trabalha, que leva trabalho para a casa. Cuido dos meus deveres, sou representante de classe. E exerço outras atividades na minha vida privada. Acordo 5 horas da manhã todos os dias e vou dormir às 2 horas da manhã, trabalhando, dignificando o cargo que exerço. De modo que eu não tenho constrangimento nenhum de pedir uma escritura de ofício e fazer o registro dela. Não fiz isso para aparecer. Não ia divulgar isso para a imprensa. A notícia vazou porque uma jornalista tirou cópia do ato no cartório. Não sou um juiz que vou para a mídia, nunca fui. Poucas notícias existem sobre mim e já decidi muitas questões polêmicas.
Macilene Oliveira – Repetem à exaustão que ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função da sua “orientação” sexual. Dr. Jerônymo, não corremos o risco de a “modernidade” exigir o reconhecimento da união entre um homem e um animal?
De modo algum. Enganam-se aqueles que acham que o STF não é um órgão sério. O Supremo é um órgão sério, consciente dos seus deveres, decidiu uma questão por unanimidade, com balizas jurídicas. Respeito o discurso, a decisão, o voto de cada um, embora divirja na minha esfera de jurisdição da orientação do Supremo, porque penso e tenho uma compreensão de família diferente e não acredito que a Constituição proteja esse tipo de relacionamento. A esse ponto não chegaremos no Brasil, porque o Brasil é um país de sociedade cristã.
Como é que o senhor avalia a adoção de uma criança por casais homossexuais?
Esse interesse é ilegítimo. Se a pessoa quer constituir prole, quer criar uma família natural, ela tem de buscar um relacionamento heterossexual.
Não foi, mesmo, uma decisão pessoal?
A minha decisão não tem cunho discriminatório, ela não se deu por critérios pessoais, não é contra a relação que os dois declarantes possuem e que, independentemente dessa minha decisão vai continuar existindo e que eu respeito. Essa é a maneira que eles determinaram para viverem juntos. Não faço isso de forma íntima, contrária aos princípios deles; não é a minha maneira de existir. Se eu tivesse esse sentimentos, não julgaria.
Patrícia Drummond / Zuhair Mohamad (O Popular)
Fonte: Cosmovisão Cristã
Entrevista do juiz Jeronymo Pedro Villas Boas; ou: Aula para os ministros do STF
O juiz Jeronymo Pedro Villas Boas esteve no centro das atenções do Brasil por causa da polêmica decisão de anular uma união estável entre doi shomens. Segundo ele, a medida foi adotada por causa da falta de previsão constitucional para este tipo de situação. Para o magistrado, o Supremo Tribunal Federal não pode modificar a Constituição, tarefa que cabe ao Poder Legislativo. Admite que, caso a lei seja alterada, pode rever a forma de atuar nessa situação.
Ele provocou polêmica em nível nacional quando decidiu anular a união civil selada por um casal homossexual em Goiânia – a primeira no País, depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a questão. O juiz Jeronymo Pedro Villas Boas garante que não se trata de decisão pessoal ou baseada em princípios religiosos, já que é pastor evangélico e frequenta cultos: “Ato de casamento entre pessoas do mesmo sexo não é apto a gerar família, no conceito natural e constitucional atual. Amanhã, mudando a lei, eu, como juiz, vou me submeter à Constituição”, argumenta. Ele insiste na valorização do Poder Legislativo constituído no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e nas câmaras de vereadores como agentes do debate e da transformação.
PERFIL:
Jeronymo Pedro Villas Boas
Jeronymo Pedro Villas Boas , de 45 anos. Exerce a magistratura há quase 20 anos. É atual vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) em Goiás e diretor de assuntos institucionais da Associação dos Magistrados de Goiás (Asmego). Antes de assumir a 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal de Goiânia, atuou na Vara da Família e também na Auditoria Militar.
Laisa Cristina – O magistrado acha que anulando a união estável de casais gays vai mudar alguma coisa realmente? Acha que isso vai diminuir a quantidade de homossexuais no mundo?
Não se trata de achar que uma decisão judicial pode mudar comportamentos. O juiz decide de acordo com a sua livre consciência e sob o aspecto, o foco do caso concreto. A decisão é uma decisão individualizada, para um caso singular, que chegou ao meu conhecimento pela imprens. A partir desse momento, como juiz de registro público, eu avoquei o ato, para controle do ato concreto e não de todos os atos que tenham sido praticados. Por um simples fator: porque esse ato, como a mídia divulgou, teria tido a forma de um casamento; houve um reconhecimento de união com os contornos de formação de família. Como pessoas do mesmo sexo não formam família, segundo o que está ordenado no sistema legal brasileiro, eu pedi cópia do ato ao tabelião para fazer o controle de legalidade. Não se trata, então, de decidir para impactar a sociedade a favor ou contra esse tipo de relacionamento, porque, na vida privada, as pessoas são livres para se determinarem na forma que entenderem.
Demerval Junior – A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), da qual o senhor é vice-presidente em Goiás, poderia tomar alguma atitude concreta – como a que o senhor sabiamente tomou – a fim de chamar a atenção da população para o absurdo que foi, na prática, o Supremo Tribunal Federal (STF) como que declarar inconstitucional um item da própria Constituição Federal e, por isso, agir como o Legislativo? Caso afirmativo, quais seriam essas atitudes? O senhor pretende sugei-las àquele organismo?
A AMB não é parte no processo que está em curso no Supremo. Não se trata de uma ação iniciada como reclamação de descumprimento de preceito fundamental. Nestes autos, a AMB não participa, não tem interesse processual para fazer recursos ou intervir. A AMB não se envolve nesse tipo de questão enquanto entidade, porque ela envolve (um conjunto de) juízes. Não há interesse da AMB. Pelo que soube, a AMB emitiu uma nota, reforçando a autonomia do juiz de julgar conforme suas convicções. É isso o que regime democrático garante. A intenção da AMB é, portanto, garantir que cada juiz, independentemente do tipo de decisão que ele dê, tenha liberdade e o faça na sua esfera de conhecimento, desde que de acordo com a Constituição e as leis. O juiz é mero aplicador de leis constitucionais.
Marco Aurelio Alves Vicente – Gostaria de saber a opinião do magistrado em relação ao Projeto de Lei nº 122, que trata, segundo os seus idealizadores, do combate a homofobia.
Antes de tudo, eu digo que a homofobia é um conceito dúbio. Tem apenas o sentido de rotular pessoas que pensam diferente daqueles que pretendem uma liberalização dos comportamentos morais. No Brasil, não há o discurso do ódio, não há discurso contra aquelas pessoas que têm comportamento homossexual. Tanto que há uma liberdade muito grande para que essas pessoas frequentem locais, participem de reuniões, estejam inseridas na sociedade, trabalhem em órgãos públicos e empresas privadas, sem qualquer discriminação. Ontem (na quarta-feira), por exemplo, eu saí do Senado e pude observar uma pessoa travestida de mulher entrando no Senado para trabalhar; é funcionária do Senado e não tem o seu acesso, ali, vedado, por quem quer que seja, porque as pessoas, no Brasil, são livres. Agora, esse não é o foco da discussão. O que existe é a discussão se a relação entre duas pessoas do mesmo sexo – que é fática, pois ela existe -, se essa entidade é ou não família. Na minha concepção, a família só se forma a partir de um núcleio básico, formado entre homem e mulher, e somente a relação entre homem e mulher é capaz de gerar filhos ou prole. E o Estado protege a família porque, ao proteger a família, garante a sua subsistência como Estado. Porque o Estado não foi constituído, não foi construído para durar apenas uma geração. Se o for, não há problema alguma em trabalhar o conceito de família para qualquer outro tipo de relação (que não a relação entre homem e mulher).
Armando Acioli – Em dois sucessivos artigos publicados na segunda quinzena de maio em O POPULAR, intitulados Decisão Arbitrária e Imoral e Legalizar o Descaramento?!, analisei, com argumentos constitucionais, jurídicos, éticos, morais e bíblicos, o procedimento avesso e contraditório do Supremo Tribunal Federal. Entendo que V. S. foi até generoso com o Supremo, que vem agindo na contramão da honra nacional e da respeitabilidade da família brasileira. Como a maioria do Congresso está alugada ao Executivo centralizador, V.S. não acha que as instituições sérias do País, inclusive a Associação dos Magistrados do Brasil, devem se mobilizar para recorrer ao Tribunal Internacional de Haia, a fim de anular a espúria comparação do Supremo?
Há, hoje, uma mobilização do Congresso para discutrir a PEC 3211, de proposta de um deputado federal, que pretende ampliar o controle de atos normativos pelo Senado para alcançar o Poder Judiciário. Embora eu veja com reservas essa PEC, porque ela pode vir a ferir a autonomia do Poder Judiciário, não entendo que o Senado ou a Câmara dos Deputados estejam sem atitude quanto à questão. O problema é que há um ponto de sensibilidade muito forte, porque nós não temos claro na Constituição ou na prática constitucional até onde vai a autonomia, o limite de cada poder. Os poderes, como são constituídos no sistema brasileiro, não mantêm funções puras, eles são híbridos. O Executivo tem o poder de lançar medida provisória, o Legislativo baixa decreto, o Judiciário, além de julgar, baixa atos normativos… Então, há uma miscelânea de funções que cada poder exerce dentro da sua competência. O STF não está dentro do conceito de soberania nacional, submetido à Corte de Haia, de modo que não há como levar essa questão a um tribunal internacional. Há como, ainda, essa questão voltar à pauta do Supremo, porque o acórdão não foi ainda publicado. E creio que, assim que ele seja publicado, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que está habilitada nos autos como assistente e que tem interesse recursal, deva exercer um recurso de embargos naquele processo. Se ele vai ser admitido ou não, é uma questão do Tribunal, que tem autonomia para analisá-lo.
Boadyr Veloso Júnior – Segundo o ministro relator Ayres Brito “as normas constitucionais não distinguem o gênero masculino e feminino”, razão pela qual somente estaria vedado o reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar se a Constituição expressamente o proibisse. No silêncio reside o consentimento sistemático da ordem constitucional. Tal fundamentação não cria um precedente, no mínimo, problemático? Ora, se as normas constitucionais não distinguem “por gênero”, também não o fazem “por número” de parceiros. Sob este prisma, a decisão do STF também abre a via para o reconhecimento do núcleo poligâmico (um homem e várias mulheres ou vice-versa) como entidade familiar. O senhor não acha que, para evitar imbróglios judiciais desta envergadura, a palavra final sobre o assunto deveria ser entregue – via plebiscito – nas mãos do povo brasileiro, ao invés de delegada aos nobres Congressistas e Ministros do STF?
Tenho dito que, onde passa um boi, passa uma boiada. A decisão do STF tem um foco imediato de ampliar o conceito de família instituído pelo artigo 226 da Constituição Federal para alcançar os núcleos de convivência entre pessoas do mesmo sexo. E com fundamentação um pouco eclética, porque, pelo que eu li dos votos declarados, além do voto do relator, a fundamentação que o STF busca é de garantir a dignidade da pessoa humana e de igualdade de todos perante a lei. Parece que o Supremo não se atentou (para o fato de) que o Brasil recepcionou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, no seu artigo 16, expressa que núcleo familiar é aquele constituído por homem e mulher, e que este núcleo é a célula-base da sociedade. Este é o teor daquela norma. A partir da emenda constitucional 45, de 2004, nós temos hoje, no sistema jurídico nacional, a expressão forte e firme de que a família só pode se constituir a partir de um homem e de uma mulher. Quando você dilata o conceito, evidentemente que está possibilitando que outras maneiras de se formar núcleos de convivência possam ter o mesmo alcance de proteção do Estado, como se família fosse. Não só a família poligâmica, como também a poliândrica. Esses tipos de relacionamento, dentro da nossa cultura cristã e da nossa cultura fundamentada na moral que a sociedade brasileira, ao longo de sua existência, sedimentou, não constituem família, mas, dentro de um conceito que se amplia, um dia, quem sabe, isso possa ser incluído, a partir de decisões judiciais. O que tenho afirmado é que o Poder Judiciário não pode legislar, isso é tarefa eminentemente legislativa. Por que falo isso? Porque a forma de acesso de um juiz no Brasil à magistratura é feita por meio de concurso público. E ele é aferido por uma série de provas e avaliações que buscam saber se ele conhece o Direito. O parlamentar tem uma outra forma de acesso, que é via voto popular. Ele tem de ter um partido político, esse partido político tem de ter um programa, ele tem de se submeter a um processo de candidatura, precisa ser votado, essa votação tem de ser legítima para que ele seja diplomado, para que, só aí, possa assumir o cargo de deputado. No Congresso, deputados e senadores vão discutir as propostas, vão debater as propostas, vão formar comissões técnicas, vão fazer audiências públicas, vão ouvir pessoas, vão ouvir seus eleitores, até o momento em que um projeto seja votado, aprovado, promulgado, publicado e, de fato, vire lei. O processo é diferente daquele em que um juiz, monocraticamente, ou um grupo de juízes, num tribunal, decide ou decidem uma questão para valer para todos. No sistema democrático, a lei vale quando ela advém do Parlamento. O Judiciário não pode legislar, não pode acrescer ponto nem vírgula na Constituição. A constituição é aquilo que ela é. E a constituição é uma constituição formal, que foi escrita, e material, porque há um conjunto de valores que determinou que aquela constituição fosse escrita daquela maneira.
O senhor, então, não é favorável ao plebiscito para decidir esse tipo de questão…
A população decide questões como essa com o voto em seus deputados e senadores. O Parlamento é o órgão que deve debater, discutir e formular leis para resguardar ou não direitos não só desse teor, como também relacionados a outras questões, como, por exemplo, o aborto e a eutanásia, que são questões que estão surgindo no Brasil e estão em debate no mundo todo. Eu creio que o Judiciário pode vir e agir nos casos concretos, pode fazer a discussão de preceitos, de aplicabilidade, de constitucionalidade ou não de alguns preceitos, mas nunca como legislador. Não cabe referendo nem plebiscito nesse caso. Isso sim, geraria um discurso, um debate discriminatório. A minoria formada por homossexuais tem representates eleitos, que estão discutindo democraticamente esses direitos no Parlamento. E isso é muito bom para a democracia, porque esse debate vai produzir as condições para o Congresso legislar. Por isso, volto a afirmar: chegou o momento, na história do Brasil, de o Congresso Nacional, de as Assembleias Legislativas, de as Câmaras de Vereadores serem valorizados como órgãos que ditam e que fazem leis. Porque a sua formação é plural, é democrática, ali há essência de democracia. Dentro do Parlamento é que essas questões surgem e são discutidas.
Carolina Pereira – Levando em consideração a teoria tridimensional do direito, do jusfilósofo Miguel Reale, em que todo fato que passa a ser valorizado na sociedade deverá ser normatizado, o senhor considera que a união homoafetiva necessita de urgente normatização, mesmo que através de pronunciamento judicial para suprir lacuna legal, ou o senhor considera desnecessário tal posicionamento legal acerca do tema?
Há um integrante da Suprema Corte Argentina que faz um comparativo importante na sua obra de direito penal. O legislador vê, primeiro, os fatos. Valora esses fatos, para saber se aqueles fatos todos que estão no meio social são dignos ou não da sua apreciação para se tornar lei, e, como lei, ter eficácia para toda a sociedade. A tarefa do legislador é justamente essa: saber se esses fatos do cotidiano, se essas relações, a maneira como elas ocorrem, estão necessitando que sejam disciplinadas. O olhar do juiz é inverso: ele, primeiro, olha para a lei, que foi feita pelo parlamentar. Depois, ele avalia a sua normatividade e, depois, dá aplicação concreta a essa lei, segundo os fatos. Um juiz não pode olhar, primeiro, os fatos. A quantidade de litígios envolvendo esse tipo de caso é muita pequena no Brasil. Estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo o próprio ministro Fucs, diz que não chega a 60 mil o número de casais homossexuais no Brasil. O Código Civil já confere segurança, por meio da escrituração, para que (esses casais) estejam resguardados em caso de eventual separação, de dissolução da sociedade ou de morte, sendo que alguns autores até recomendam que esses parceiros façam testamento para evitar problemas futuros de cunho hereditário. Eu tive a oportunidade de julgar um caso desses, como juiz de família, assegurando a uma parceira o direito de meação no inventário. Talvez tenha sido uma das primeiras decisões no Brasil, nesse sentido, quando eu era juiz em Morrinhos, em 1997 ou 1998. Garanti a ela o direito de participar na herança. As duas tinham um comércio, uma microempresa, e todo o patrimônio estava em nome da que falecera. De modo que não é uma questão de negar os direitos das pessoas homossexuais, mas, sim, de dizer que a relação entre dois homens e duas mulheres não forma uma família, porque não há condição natural de este núcleo gerar filhos.
Carolina Pereira – Um dos princípios norteadores do Direito de Família é o da Liberdade ou não intervenção, constante do artigo 1.513 do Código Civil. O senhor não vê a sua decisão como uma afronta à esse princípio, fundamentando-se em impossibilidade de formação de prole? Qual o fundamento para a decisão ex officio neste caso?
Há muito o direito civil foi constitucionalizado no Brasil. A visão antiga de que as normas que regulam o direito civil estavam acima da Constituição já se perdeu no tempo. O nosso sistema jurídico é um sistema constitucional. O intérprete, ou o juiz que aplica uma lei, não aplica com o olho apenas naquele preceito, ele tem de ver o conjunto do ordenamento jurídico e, principalmente, os princípios que determinam a existência da quela norma ou daquele preceito. O juiz, ao concretizar a aplicação da lei, deve fazer uma ponderação para saber qual princípio, naquele momento histórico, deve atuar com maior força, e ter como base um princípio da Economia que se chama princípio da taxatividade negativa. Ele determina que o princípio de menor força recue para que que aquele que tem uma maior força atue. Só que, aquele que recua, condiciona o princípio de maior força… É nesse balanço, na razoabilidade de aplicação do preceito, que um juiz deve manter a sua decisão, formar a sua opinião e concretizar a aplicação da lei. Neste aspecto, não é a norma de autonomia de vontade que determina o que forma a família no Brasil. O que determina a formação da família no Brasil é a norma constitucional, que, taxativamente, diz quais os tipos de relação formam família e merecem proteção do Estado, e, também, o núcleo moral da sociedade, a constituição material. A liberdade e a autonomia absolutas de comportamento encontram limites no sistema brasileiro. Nós sabemos, e isso é básico, que a liberdade de um termina onde começa a liberdade de outro. Há um equilíbrio.
Josiane Coutinho – O senhor esta a serviço de um estado laico, ou que pelo menos deveria ser. Se o senhor é pastor evangélico como afirmar que sua decisão não possui fundamentalismo religioso?
As pessoas têm de compreender que o Estado não é um ente figurativo. O Estado Brasileiro, de modo algum, é laico; o Estado Brasileiro é aconfessional. Num primeiro momento da história brasileira, com a Constituição escrita em 1823 e promulgada em 1824, a Constituição do Império, o Brasil se tornou um estado confessional. A Igreja Católica Apostólica Romana era a igreja oficial no Brasil. Vivíamos um momento em que o Estado e a Igreja formavam um bloco administrativo. A partir de 1836, quando o Império começa a se degradar no Brasil, aquele Estado escravocrata, que não admitia a liberdade religiosa, que não admitia cultos em locais privados e com aspecto de templo, porque a Igreja oficial existia, começa a se diluir e inicia-se um movimento no Brasil para estabelecer-se a República, que vem em 1889, e muda o regime político brasileiro. Nós saímos do Império e entramos na República com uma concepção diferente de relação entre Estado e Igreja. Rui Barbosa, que era senador, mas, antes disso, funcionava como consultor de um governo provisório de Deodoro da Fonseca, escreve um decreto chamado 119-A, que estabelece a separação entre Estado e Igreja e admite a possibilidade de as religiões se organizarem como entidades privadas. Ao fazer isso, a República não laicisiza o Estado, ela torna o estado aconfessional. O que acontece hoje, sob a ótica da atual Constituição, é que o Estado não pode intervir na autonomia privada das entidades religiosas, não pode ditar normas para o culto e não pode subvencionar as igrejas. Mas não existe essa separação imaginária entre a Igreja e o Estado. O Estado tem uma relação muito próxima com a Igreja ainda, e com todas as religiões. Há uma participação intensa entre os governos e as diversas religiões que se formam. Porque a sociedade brasileira é religiosa. Se você buscar os censos do IBGE, vai ver que a maioria do povo declara uma crença, uma fé, uma religião. A Constituição da República é uma constituição da sociedade; se a sociedade é religiosa, a República possui, na sua formação, princípios religiosos. De modo que esta visão de um Estado laico, que acha que um juiz não pode ser pastor ou membro de um centro espírita, é algo muito pequeno. A convicção de fé em um Deus, um Ser Inteligente e Criador, é algo natural e algo da essência humana, ressavaldo o direito daqueles de não crer Nesse Deus. Não fico constrangido de ser juiz e pastor. Eu fico honrado em ser pastor e honro a magistratura. Não julgo sob preceitos religiosos; minhas decisões são jurídicas e fundamentadas na Constituição. Estão dizendo que afrontei o STF. Eu admito que não afrontei a Constituição.
Robson Jaime de Matos (via e-mail) – Lendo a reportagem sobre o juiz Jeronymo Villas Boas, no aspecto que ele diz que casais homoafetivos não formam uma família pois não podem gerar prole, reflito: um casal formado por homem e mulher, se um deles for estéril, também não formam uma família? O juiz irá cancelar este tipo de casamento?
Isto é um sofisma. É evidente que tenho a consciência de que existem casais que, por problemas de infertilidade ou por opção de não conceber, não geram filhos. O que estou dizendo, e isso é muito claro, é que somente esse tipo de relação (entre homem e mulher) gera a condição natural de procriação. E que o Estado tem interesse em proteger a família formada entre homem e mulher porque o Estado, como resultado da organização da sociedade, tem a intenção de perenidade. O fato de um casal heterossexual não gerar filhos não descredencia ou desfaz o argumento. O que estou dizendo é que somente a relação entre homem e mulher forma uma família, e que dela é que advém a prole que perpetua a existência do Estado. Aliás, o conceito não é meu, é de George Del Vecchio, uma aula em 1920, na Univversidade de Roma. É um dos maiores filósofos do Direito do século passado, que estudou na sua essência a genesis do Estado.
João Camargo Neto – O senhor tem alguma filiação partidária? Se candidataria a algum cargo público caso fosse convidado por alguma liderança política? Se fosse detentor de mandato, qual seria sua principal bandeira?
Ao juiz é vedado, na Constituição e eu obedeço a Constituição, a atividade político-partidária. Eu não tenho filiação partidária. Tive, antes de adentrar na magistratura. Não tenho pretensão nenhuma de candidatura, porque fiz uma opção pela magistratura, por vocação. Eu não sou magistrado por interesse, por … , por não ter competência para ter outro emprego, eu sou magistrado porque optei por isso. Ao mesmo tempo em que passei neste concurso, passei para também em outros concursos, inclusive do Ministério Público do Distrito Federal, e optei por seer juiz enm Gouiás. Creio que bandeiras, sonhos, o homem deve ter. Construir uma sociedade fraterna, onde as pessoas se respeitem e tolerem umas às outras, onde as premissas do amor se sobreponham ao ódio, é um dos meus sonhos. Porque tenho filhos, e espero que as gerações futuras tenham capacidade de resolver melhor os problemas sociais, principalmente os relacionados às drogas, contra a degradação da família, contra a degradação dos valores que norteiam uma sociedade sadia. As pessoas que t~em uma orientação sexual diferente, que optam pela homossexualidade, têm os mesmos direitos de viver em sociedade e em fraternidade com os demais membfros dessa sociedade. O que eu estou dizendo, nas minhas decisões, é que ato de casamento entre pessoas do mesmo sexo não é apto a gerar família, no conceito natural e constitucional atual. Amanhã, mudando a lei, o legislador constitucional alterando a Constituição, eu, como juiz, vou me submeter à Constituição.
Mazukielves E Kleber Morais – O direito à vida e à liberdade é somente para pessoas heterossexuais? Somos iguais perante a lei dos homens, visto que, perante o entendimento do magistrado, não somos iguais perante a Lei de Deus?
A questão não é relacionada à igualdade, mas até onde vai o direito da minoria ou das minorias, compreendendo minorias como grupos sociais que têm interesses comuns e que se pautam por comportamentos que não são o da maioria da sociedade. Acredito, em minha formação jurídica, que o Estado não deve se colocar ao lado da minoria, como afirmou o ministro Fucs. O Estado é árbitro de conflitos e deve se pautar pela neutralidade quando trata de questões que envolvem grupos minoritários em conflito com grupos majoritários. É preciso valorizar o Parlamento como local de debate dessas questões. Não é o Judiciário que dita esse tipo de norma, é a sociedade, elegendo os seus representantes. É o Parlamento que vai criar as condições para que algo torne-se ou não constitucional, torne-se ou não legal, e, como lei, se torne algo que seja exigido de toda a sociedade.
Edilberto De Castro Dias – Quais as razões jurídicas e competência da Vara Municipal para a anulação de oficio do Contrato particular entabulado pelas partes e porque não foi oportunizado prazo para apresentação de defesa para os mesmos assegurando a ampla defesa e o contraditório ?
Um juiz de registro público faz controle de legalidade de ato notorial, individualizado. Porque? Para que estes registros se pautem pela segurança dos próprios interessados. A relação não se faz entre o juiz e aquele que fez a escritura, a relação se faz entre o juiz e o tabelião que praticou o ato, porque o tabelião pode se negar a fazê-lo. Quando ele faz, o ato está sujeito a controle do juiz de registro público. O juiz faz o controle e notifica o tabelião, e o tabelião é quem notifica os interessados naquele ato que foi revogado ou não, para que os interessados usem dos instrumentos jurídicos nas ações jurídicas que têm interesse. Vale, aqui, explicar algo: um casal heterossexual, para ter uma união estável reconhecida, declarada, não basta ir a um cartório e registrar uma escritura. O casal tem de buscar o Judiciário, fazer uma ação de declaração de existência de sociedade de fato, passar por um período de prova, levar testemunhas para serem ouvidas pelo juiz, o Ministério Público precisa atuar como fiscal dos requisitos necessários, para por fim, vir uma declaração de um juiz afirmando que aquela união constitui uma união estável de fato. Eu fui juiz de família muito tempo em Goiânia. Só depois dessa sentença é que esse casal, heterossexual, pode abstrair do seu relacionamento todos os direitros, inclusive para converter essa união em casamento. Não é ir lá no cartório e declarar. Então, o ato, nesse sentido, padece de legalidade. A minha interpretação não faz discriminação nenhuma.
Eduardo Valderramas (via Twitter) – Por que o interesse em agir de ofício? Quantos processos tem sob gestão? Age de oficio nos demais processos?
Um juiz tem de agir de ofício. Se tiver notícia de outros atos, vou agir de ofício. E não se trata de volume ou de quantidade de processos que tenho em curso. Tenho cerca de 80 mil processos em curso, a minha vara está razoavelmente em dia, eu sou um juiz que trabalha, que leva trabalho para a casa. Cuido dos meus deveres, sou representante de classe. E exerço outras atividades na minha vida privada. Acordo 5 horas da manhã todos os dias e vou dormir às 2 horas da manhã, trabalhando, dignificando o cargo que exerço. De modo que eu não tenho constrangimento nenhum de pedir uma escritura de ofício e fazer o registro dela. Não fiz isso para aparecer. Não ia divulgar isso para a imprensa. A notícia vazou porque uma jornalista tirou cópia do ato no cartório. Não sou um juiz que vou para a mídia, nunca fui. Poucas notícias existem sobre mim e já decidi muitas questões polêmicas.
Macilene Oliveira – Repetem à exaustão que ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função da sua “orientação” sexual. Dr. Jerônymo, não corremos o risco de a “modernidade” exigir o reconhecimento da união entre um homem e um animal?
De modo algum. Enganam-se aqueles que acham que o STF não é um órgão sério. O Supremo é um órgão sério, consciente dos seus deveres, decidiu uma questão por unanimidade, com balizas jurídicas. Respeito o discurso, a decisão, o voto de cada um, embora divirja na minha esfera de jurisdição da orientação do Supremo, porque penso e tenho uma compreensão de família diferente e não acredito que a Constituição proteja esse tipo de relacionamento. A esse ponto não chegaremos no Brasil, porque o Brasil é um país de sociedade cristã.
Como é que o senhor avalia a adoção de uma criança por casais homossexuais?
Esse interesse é ilegítimo. Se a pessoa quer constituir prole, quer criar uma família natural, ela tem de buscar um relacionamento heterossexual.
Não foi, mesmo, uma decisão pessoal?
A minha decisão não tem cunho discriminatório, ela não se deu por critérios pessoais, não é contra a relação que os dois declarantes possuem e que, independentemente dessa minha decisão vai continuar existindo e que eu respeito. Essa é a maneira que eles determinaram para viverem juntos. Não faço isso de forma íntima, contrária aos princípios deles; não é a minha maneira de existir. Se eu tivesse esse sentimentos, não julgaria.
Patrícia Drummond / Zuhair Mohamad (O Popular)
Fonte: Cosmovisão Cristã
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1 comentários:
eu acho que essa bixarada tem que se colocar no seu lugar , quer d... vai fazer isso em secreto , num tem que querer transformar um ato profano desse em lei não
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Se não entende ainda sobre o que a bíblia diz sobre julgar, por favor leia os artigos abaixo!
Julgar ou não julgar?
É Pecado Julgar?
É correto julgar, expor o erro e citar nomes?
É sempre uma falta de amor criticar e julgar?
Muito obrigado!