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Filhos de pastores‏ (Entrevista)

Pesquisadora aborda conflitos desse público:
Filhos de pastores

Baseada em experiência própria, teóloga avalia a vivência de fé de filhos de pastores. Em entrevista à Enfoque, a pernambucana Késia Adriany analisa a cobrança excessiva para ser ‘vitrine doutrinária’ que a família pastoral, em especial os filhos de pastores, é obrigada a ser.

A cultura popular afirma que “filho de peixe, peixinho é”. No teatro, na música ou outras profissões, a hereditariedade no talento muitas vezes ocorre muito bem. Mas quando o assunto é fé e religião, nem sempre o ditado se aplica. Como no caso de filhos de pastores que não se sentem vocacionados para o ministério pastoral, sequer chamados para serem o exemplo perfeito de quem convive em uma família de pastor.
Assim foi com a pernambucana Késia Adriany.

Natural de Serra Talhada, passou um bom tempo conhecendo o país na implantação de igrejas. Morou no Ceará, trabalhou em Juazeiro do Norte e transferiu-se para o Rio de Janeiro. A pedagoga de 33 anos, teóloga, pós-graduada em gestão educacional, conhece bem o fardo que a família pastoral carrega. Filha de pastor, com cinco irmãos, apenas ela seguiu a carreira ministerial. Os outros filhos conseguiram escapar do que chama "pressão ministerial".

Mas seu sorriso cativante de hoje esconde um passado de muitas lágrimas e cobranças. Késia, que aos 14 anos chegou a questionar a existência de Deus ao pai devido à sua insegurança cristã, resolveu reunir outras histórias tristes e colocá-las em livro. Com quase duas décadas de estudos, a teóloga presbiteriana ainda está à procura de editora. Com o esboço à mão, ela fala sobre como alguns filhos não agüentaram "ser uma vitrine doutrinária". Nesta entrevista, ela analisa a nem tão tranqüila relação de pastores e seus filhos e a conversão de fé destes. Késia demonstra sua visão bíblica e algumas respostas, não definitivas, e sinaliza alguns segredos. Ela vai além e critica as lideranças por não prepararem pastores e igrejas para lidar com esse problema.

ENFOQUE - É complicado para um filho de pastor ter sua própria experiência em Cristo?
KÉSIA ADRIANY - Penso que sim. Desde a adolescência eu percebia isso. Aos 14 anos gostava de ouvir o testemunho de conversão do meu avô. Ele cantava um hino que dizia que Jesus havia lhe tirado do lamaçal do pecado. Um dia falei à minha mãe que queria conhecer este lamaçal. Questionava como Deus me salvaria se nunca havia pecado devido à grande redoma de proteção. Eu falava a mim mesma: “Jesus morreu por mim? Por quê? Eu não fiz nada, eu não peco.” Isso precisa ser trabalhado com o filho de pastor: que há uma mensagem de salvação a ele, seja quem for, rico ou pobre. Quando esse processo de conversão aconteceu comigo, percebi quantos filhos de pastores sofriam com esse mesmo dilema.

ENFOQUE - A partir disso, o que houve?
KÉSIA ADRIANY - Eu comecei a procurar histórias de outros filhos de pastores na internet e divulguei-as entre as famílias. Logo passei a receber muitos depoimentos. Até hoje, em quase duas décadas, foram catalogadas mais de cem histórias. Algumas dessas pessoas pediam para mantê-las em sigilo. No entanto, outras pediam para divulgar tudo abertamente porque sofreram muito e não queriam que outros passassem pelos mesmos problemas. Já muitos pais também me enviaram histórias e se queixaram de que, se pudessem, começariam tudo novamente e de outra maneira.

ENFOQUE - Nesses relatos, qual foi a maior reclamação?
KÉSIA ADRIANY - Deparei com casos de filhos de pastores que, por conta dessa quase imposição para também serem pastores, assumiram igrejas e hoje são frustrados. Sentiram-se enganados. E acabaram enganando outras vidas. O púlpito não é legado de propriedade. A herança que o pai pastor deixa para o filho é uma vida honesta e íntegra diante de Deus.
Em minha pesquisa, que desemboca no livro que estou escrevendo, não questiono a educação que o pai pastor dá a seu filho e, sim, essa experiência de fé. Porque muitos filhos de pastores apenas reproduzem o que aprenderam. Cantam, louvam e até pregam. Todavia, muitos não sabem de fato quem é Deus.

ENFOQUE - Acha que isso é quase um treinamento de fé?
KÉSIA ADRIANY - Por minha experiência pessoal, posso dizer que isso é um treinamento. Alguns pais condicionam o filho a fazer aquilo. Só que em matéria de fé é diferente. É prejudicial, pois pode gerar cidadãos que enganam a si mesmos. Vestem uma carapuça que não escolheram. Sofrem com a cobrança para serem modelos de sucesso só porque seus pais foram. É uma ligação prejudicial porque mistura fé, profissão e futuro.

ENFOQUE - O que mais encontrou nesses relatos?
KÉSIA ADRIANY - Encontrei desabafos, como: “Quero ser tudo na vida quando crescer menos pastor.” E no caso das meninas, elas desprezam a idéia de serem esposas de pastor. Percebi também que muitos não tinham vida própria, não tinham nome. Eram apenas “a filha” ou “o filho do pastor”. Na minha vida, por exemplo, houve uma época em que deixei cair certas máscaras e tive coragem de assumir meus próprios erros e incertezas.

ENFOQUE - Que conseqüência essa cobrança pode gerar?
KÉSIA ADRIANY - O padrão para o pastor é muito alto. Você pode entender isso na Bíblia, no livro de Tiago, que fala que o pastor tem de ser marido de uma só mulher, educar bem sua família, etc. Isso é pesado demais para um filho, pois o pai automaticamente divide a responsabilidade de não decepcioná-lo. Pude comprovar isso em relatos. Filhos que não viam a hora de sair de casa para levar a vida de seu jeito e fugir dessa pressão.

ENFOQUE - A igreja transfere projeções de comportamento para esses filhos?
KÉSIA ADRIANY - É claro que sim. Se eu não estivesse envolvida em alguma coisa na igreja, era malvista. Isso ocorre muito em cidades do interior. Se um filho de pastor não estiver engajado, se não cantar ou não fizer parte do ministério de louvor, então ele não é “espiritual”. Assim é o mesmo com a esposa de pastor. O problema é que você se acostuma a ter de demonstrar um determinado padrão de vida e de espiritualidade e, muitas vezes, faz aquilo não para agradar a Deus, mas para não manchar a reputação do pai ou da mãe. A pessoa cresce sem perceber que adaptou-se ao meio, moldou-se às circunstâncias.

ENFOQUE - E o que se deve fazer quando acontece a queda, a falha de um filho de pastor?
KÉSIA ADRIANY - Deve-se respeitar. Emocionalmente é difícil para a família e é complicado admitir o erro. É necessário retomar de onde o problema começou e sempre optar por uma conversa franca e restauração.

ENFOQUE - Como mudar esse quadro?
KÉSIA ADRIANY - Acredito que o pastor deve dedicar um tempo para a sua família. Com base nos depoimentos de filhos de pastores equilibrados espiritualmente, entendo que é necessário que essa mensagem de fé, que é pregada na igreja, seja repetida dentro dos lares. Uma mensagem transmitida e compartilhada que dê abertura para questionamentos. Defendo os cultos domésticos. Não um culto da igreja em miniatura. Um culto onde esse filho possa orar, fazer seu pedido e estudar.
O pai pastor precisa ter o discernimento de educar seu filho, de mostrar o maravilhoso plano de salvação, sem pressionar ou induzir o filho a ser o que ele não quer ser. E que esse pai seja em casa o mesmo pastor que é na igreja.

ENFOQUE - O que representa ser filho de pastor?
KÉSIA ADRIANY - Representa ser uma bênção. É claro que é um desafio, pois ele vai lidar com cobranças de mundos diferentes. É um privilégio, acima de tudo, pois esse filho vai ter explicações espirituais dentro de casa. Aprendi muito com isso. E hoje louvo a Deus por ter sido abençoada dentro de casa. É como tivesse médico dentro do meu lar (risos).

Contatos para enviar depoimentos: kesiaadriany@hotmail.com/kesiaadriany@snt.com.br 
(o sigilo é garantido)
(Colaboração de Celso Francisco)
Recebi por E-mail

2 comentários:

Anônimo disse...

Paz e Graça!!

Só mudando de assunto: é verdade que o Pastor-Presidente que saiu (acho que é Arcelino) mandou escrever na ata, durante o culto, para dar um carro para ele? - Foi um colega de trabalho que me disse, segundo seu pai que é membro da Sede

Abraço

Anderson Fábio disse...

Olha, eu não sei dizer.

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