Quero deixar claro que não me oponho aos irmãos que com sinceridade jejuam enquanto dedicam algum tempo à oração. Creio ser legítima a motivação de muitos quando jejuam. Em um certo sentido, não há como orar sem que se esteja jejuando, pelo menos enquanto se ora. Aliás, o jejum pode ser um meio pelo qual aprendemos a nos compadecer dos que nada têm para comer. Sentimos na pele, ou melhor, no estômago, o que sentem aqueles que são vítimas das injustiças sociais do nosso tempo. Além disso, o jejum também pode ser exercitado como um meio de nos auto-disciplinar. Dizer não à carne, de vez em quando, pode fazer bem à alma. O que não admitimos é que se transforme o jejum em moeda, achando que ele nos qualifica a receber algo a mais de Deus, ou que nos faz mais santos, ou mais aceitáveis a Deus.
A ideia errada que se tem sobre o jejum deve-se à crença gnóstica de que tudo o que é material é ruim em si mesmo, inclusive a comida. Portanto, se quisermos bênçãos espirituais, teremos que abster-nos do que é material por algum tempo. Tal pensamento não encontra respaldo nas Escrituras. Alguns textos do Novo Testamento são usados para tentar argumentar em favor da prática do jejum com a motivação errada. Vamos examinar alguns deles.
Marcos 9:29 - “Respondeu-lhes: Esta casta só pode sair por meio de oração [e jejum]”- Estes colchetes não foram colocados por mim. Qualquer Bíblia revisada e corrigida traz estes colchetes na expressão “e jejum”. E sabe por quê? Porque tal expressão não consta dos melhores manuscritos. Os textos mais antigos já encontrados do Evangelho de Marcos não trazem a palavra “jejum” neste versículo. O que comprova que provavelmente Jesus não tenha falado isso. Trata-se, possivelmente, de um acréscimo feito entre o segundo e o quarto século, visando respaldar algumas práticas da igreja daquele tempo. Ademais, que diferença faria para algum demônio se estivéssemos de barriga cheia ou vazia. Se admitirmos que Jesus disse que há casta de demônios que só sai a poder de jejum, estaremos dizendo que há casos em que o Nome de Jesus não funciona. E se de fato Jesus houvesse falado isso, temos que nos lembrar que isso teria sido antes da Cruz, e que, portanto, os principados e potestades ainda não haviam sido despojados (Col.2:15). Mesmo assim, tenho dificuldade em relacionar a expulsão de demônios com o fato de estarmos ou não de barriga vazia. O Nome de Jesus, nosso Imperador, é suficientemente poderoso para expulsar qualquer casta, e não precisa de qualquer tipo de acessório para tornar-se mais eficiente. Não aceitar tal fato é desprezar e subestimar o poder de nosso Rei, e a autoridade do Seu Nome.
Alguns tentam relacionar a eficiência do jejum no combate aos demônios com a tentação sofrida por Cristo no deserto. Já ouvi de muitos pregadores que Jesus foi para o deserto para se preparar para enfrentar o Diabo. Ele teria de jejuar quarenta dias para estar suficientemente forte para enfrentar o tentador. Jesus não foi para o deserto para jejuar coisa nenhuma. O texto diz que Ele foi levado para o deserto para ser tentado (Mt.4:1). E sabe por quê Ele teve de jejuar? Não era pra ficar mais forte, e sim, pra ficar mais fraco. Isso mesmo. O texto não diz que depois de jejuar por quarenta dias Jesus ficou mais forte espiritualmente. Em vez disso, diz que “depois de jejuar por quarenta dias e quarenta noites, teve fome” (v.2). Fome é sinal de fraqueza, e não de força. E sabe por quê Ele tinha de ficar fraco e com fome? Para que a tentação do Diabo fosse legítima. Se Ele não estivesse com fome, de nada adiantaria Satanás Lhe sugerir que transformasse as pedras em pães. O que nos capacita a enfrentar as tentações e os laços do Diabo não é estarmos de estômago vazio, e sim, estarmos com o coração cheio, fortalecido na graça e no conhecimento da Palavra de Cristo (Hb.13:9; Col.3;16).
Mateus 9:14-17 - “Então vieram os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, mas os teus discípulos não jejuam? Respondeu-lhes Jesus: Podem estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Dias, porém, virão em que o noivo lhes será tirado, e nesses dias jejuarão” - Se o jejum era tão importante assim, a ponto de ser imprescindível, então, por quê os discípulos não jejuavam? Nesta passagem, Jesus deixa bem claro que o jejum judaico está relacionado ao luto, à tristeza. Não havia motivo algum para que os discípulos estivessem tristes. Afinal, o Noivo estava com eles. É aí que começa o problema. Alguns podem argumentar: - Tudo bem que os discípulos não jejuavam; mas agora o Noivo não está conosco. Portanto, temos que jejuar! Este argumento é muito fraco. O Noivo não está ausente de nós. Pelo contrário, Ele está mais presente em nós, do que estava com os discípulos. Para eles, Jesus era Emanuel, isto é, “Deus conosco”; agora Ele não mais está conosco, isto é, ao nosso lado. Agora, Ele está em nós. Se isso não é verdade, então Ele não cumpriu Sua promessa, e deixou-nos órfãos (Jo.14:17-18; Mt.28:20; Col.1:27). Nas palavras do próprio Cristo, somos mais bem-aventurados do que aqueles que conviveram com Ele nos dias da Sua carne (Jo.20:29; 2 Co.5:16). Então, de quais dias Jesus falou em que os discípulos jejuariam? Quando o Noivo lhes fosse tirado. E quando isso se sucedeu? Quando Jesus foi crucificado, e passou três dias no ventre da terra.
Ainda nessa passagem sobre o jejum, Jesus disse: “Ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho, pois semelhante remendo rompe o vestido, e faz-se maior a rotura. Nem se põe vinho novo em odres velhos. Do contrário, rompem-se os odres, entorna-se o vinho, e os odres se estragam. Mas põe-se vinho novo em odres novos, e ambos se conservam” (vs.16-17). Jesus estava respondendo a indagação dos discípulos de João Batista. O vinho novo significa o Evangelho, enquanto que os odres velhos apontam para o sistema judaico com os seus ritos religiosos, dentre os quais estava o jejum. Tentar adaptar a mensagem pura do Evangelho com os hábitos religiosos dos judeus equivaleria a costurar remendo novo em vestido velho. O cristianismo não tinha nada a ver com o judaísmo do tempo de Cristo, que, diga-se de passagem, não era o judaísmo de Moisés, mas o dos fariseus e saduceus, e que deu origem à Cabala e ao Talmude. A proposta do Evangelho era remover as cinzas, e colocar no lugar delas uma coroa. Em vez de luto, alegria. Em vez de privação, partilha. A estrutura judaica de culto não conseguiria conter o frescor da doutrina de Cristo. E foi o que realmente aconteceu. Durante os primeiros anos da Igreja, os apóstolos viviam como os judeus. Mantinham a mesma dieta alimentar, praticavam a circuncisão, faziam votos judaicos, e até frequentavam o Templo e as sinagogas (At.3:1; 10:14; 13:15; 14:23; 15:1,5; 16:3; 21:21-26). Aquele era um momento de transição. Não foi em vão que Paulo afirmou que quando menino, fazia as coisas de menino, mas ao chegar à maturidade, abandonou de vez as coisas de menino. O livro de Atos não pode ser tomado como um livro normativo para a Igreja. Trata-se do relato honesto dos primeiros anos da Igreja. Podemos perceber claramente nos Atos dos Apóstolos, como a igreja em seus primórdios insistiu em derramar o vinho novo do Evangelho nos odres velhos do sistema religioso judaico. Não poderia ter outra conseqüência senão a que Jesus advertiu que haveria: Os odres se romperam, como podemos conferir no relato do último encontro entre Paulo e os judeus, registrado em Atos 28:23-31. O mesmo Paulo que no início do seu ministério circuncidou Timóteo (At.16:3) para evitar escândalo entre os judeus, escreve a esse mesmo discípulo seu, advertindo-o contra homens que “ordenam a abstinência de alimentos que Deus criou para os fiéis, e para os que obedecem a verdade, a fim de usarem deles com ações; porque tudo o que Deus criou é bom, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças” (1 Tm.4:3-4). Se o livro de Atos deve ser recebido como normativo para a igreja, então teremos que raspar a cabeça, como Paulo o fez (se bem que há quem faça isso hoje em dia! ).
Mateus 6:16-18 - “Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas, pois desfiguram o rosto para parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça, e lava o rosto, para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” - Jesus estava falando com um público formado exclusivamente de judeus. O que Jesus queria era denunciar a hipocrisia dos religiosos de Sua época. Nesse mesmo sermão, Ele também disse: “Guardai-vos de praticar vossos atos de justiça diante dos homens, para serdes vistos por eles” (v.1). Os fariseus tinham por hábito levar consigo um trombeteiro para tocar seu instrumento no momento em que estivessem dando alguma esmola, e assim, chamar a atenção de todos para a sua boa obra. Jesus desmascarou tal prática e a chamou de hipocrisia. Jesus não ordenou que ninguém desse esmolas, ou jejuasse, porque tais práticas já eram comuns aos religiosos da época. Ele não disse: “Deem esmolas!” E sim: “Quando deres esmola...” Ele também não disse: “Jejuai!” E sim: “Quando jejuardes...” É interessante que no mesmo sermão nós encontramos diversos imperativos de Jesus. Ele ordenou: “De maneira nenhuma jureis” (5:34); “Dá a quem te pedir” (5:42); “Amais a vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”(5:44); “Não ajunteis tesouros na terra...Mas ajuntai tesouros no céu” (6:19-20); “Não andeis ansiosos pela vossa vida” (6:25); “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (6:33); “Não julgueis”(7:1) e etc. Mas não há nenhum imperativo sobre o jejum.
Além das esmolas e do jejum, outro hábito religioso dos judeus que foi questionado foi o de orar em voz alta para que todos os ouvissem. “Quando orares” advertiu Jesus, “não sejas como os hipócritas, pois gostam de orar em pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas para serem vistos pelos homens” (v.5). É claro que o que não falta na Bíblia são imperativos acerca da oração. Os judeus eram um povo que orava. Disso não há dúvida. O erro estava na motivação que os levava a orar. O que os fazia orar, era a mesma motivação que os fazia dar esmolas e jejuar. Sua pretensão era de serem vistos pelos homens, e não de glorificar a Deus.
Há um episódio narrado em Atos em que os judeus fizeram um voto de jejuarem até que Paulo fosse morto (At.23:12-14). Eram mais de quarenta homens dispostos a jejuarem pela morte do Apóstolo.
Um dos mais usados argumentos em favor do jejum é a mortificação da carne. Segundo os advogados desta posição, quando jejuamos estamos crucificando a carne. Não há um único verso na Bíblia que dá apoio a este argumento. Não obstante, com uma única passagem bíblica nós podemos derrubá-lo. Veja o que Paulo escreveu aos Colossenses:
"Ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber (...) Se estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, como: não toques, não proves, não manuseies? Todas estas coisas estão fadadas ao desaparecimento pelo uso, porque são baseadas em preceitos e ensinamentos dos homens. Têm, na verdade, aparência de sabedoria, em culto voluntário, humildade fingida, e severidade para com o corpo, mas NÃO TEM VALOR ALGUM CONTRA A SATISFAÇÃO DA CARNE.” Colossenses 2:16a, 20-23.
Se o jejum fosse um instrumento para a mortificação da carne, então, a Cruz teria sido inútil (Gl.2:21). Bastaria que os homens jejuassem, e estariam salvos. Aliás, tal argumento, além de não ter respaldo bíblico, parece ter sido tirado da Cabala judaica. Veja o que escreveu Shmuel Lemle acerca do jejum: A Cabala ensina que temos dentro de nós duas inteligências, dois sistemas que estão sempre funcionando. O primeiro é a consciência da alma, que está ligada à Luz (...) O outro sistema é a consciência do corpo, que só pensa em si mesmo e em satisfazer seus desejos imediatos. O jejum é uma forma de anular a consciência negativa do corpo de querer receber somente para si, elevando nossa consciência. É uma ferramenta para fortalecer a alma”.
A fórmula bíblica para a mortificação do corpo é a recomendada por Paulo em Romanos 6:11-14: “...considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor. Não reine, e portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências. Nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade, mas APRESENTAI-VOS A DEUS, como vivos dentre os mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça. Pois o pecado não terá domínio sobre vós, porque não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.” É tudo uma questão de fé. Temos que considerar, isto é, levar em conta o que Cristo fez na cruz por nós. Lá, Ele não apenas morreu em nosso lugar, mas levou conSigo o nosso velho homem (v.6). À medida que consideramos isso, e apresentamos nossos corpos para o uso exclusivo do Senhor, experimentamos a mortificação de nossa carne.
De qualquer maneira, ninguém tem o direito de julgar o outro pelo fato de jejuar ou não. Devemos dar ouvidos à recomendação das Escrituras: “O que come não despreze o que não come, e o que não come não julgue o que come, pois Deus o recebeu por seu (...) Quem come, para o Senhor come, pois dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come, e dá graças a Deus (...) Se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não faças perecer por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu” (Rm.14:3,6b,15). Não vale a pena discutir por causa disso.
Em nosso ministério, muitos se sentem bem praticando o jejum. Nós não os censuramos por isso. Pelo contrário, os estimulamos a praticarem-no, deste de que o encarem de uma dessas maneiras:
A) O Jejum como um meio de compadecer-se dos que sofrem enquanto se intercede (Sl.35:13-14);
B) Um meio de expressar arrependimento pessoal ou coletivo (1 Sm.7:6; Ed.10:6; Ne.9:1-3; Sl.69:10; Dn.6:18; Jl.2:12), humildade (Sl.35:13), ou lamento por alguma situação em particular (Jl.1:14-20), ou ainda um profundo desejo de servir a Deus (At.10:30; 13:2)
C) Como um exercício de auto-disciplina.
Só não admitimos que se faça do jejum uma moeda de barganha com Deus, ou um amuleto, ou mesmo uma arma de combate ao inimigo. Para isso, basta o precioso Nome de Jesus.
Hermes C. Fernandes
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