Consagração: Fruto da nossa liberdade e comunhão com Cristo

1 Coríntios 6.12-20

Este texto é desafiador. Olhamos para ele e pensamos nos perguntamos: Onde encontramos o tema da consagração? Será que não é forçar demais o texto para que ele fale do que não está a falar?

O texto fala-nos da liberdade cristã. Mostra o viver prático no dia-a-dia. Fala como deve ser o nosso proceder na sociedade. O interessante é como Paulo inicia o seu pensamento, pois ele reconhece que é livre para fazer tudo, mas sabe que nem tudo lhe convém. Em suas palavras lemos «posso fazer tudo, mas nem tudo me convém». O que ele diz é que precisamos ser ponderados, equilibrados, com senso crítico para fazer as opções certas.

O texto fala-nos de liberdade, mas o que é liberdade?

      Liberdade é o direito inalienável de todo ser humano, e o valor maior de sua existência como tal. Liberdade é a capacidade de viver e atuar de forma plena como pessoa, sem imposições arbitrárias. Ela se estende até o ponto em que surge o direito dos outros de serem também pessoas plenas e completas.[1] (Cavalcanti, 1993)

Esta definição é fantástica, mas conceitos são apenas conceitos. Nosso exemplo é Jesus. Ele é o expoente máximo de liberdade. Ele é o nosso Libertador. Sendo assim, cabe-nos a pergunta: Jesus nos libertou de quê?

1.       Jesus liberta-nos do peso do pecado. A morte espiritual é derrotada com a vitória de Jesus.

2.      Jesus liberta-nos do deus imaginário. Ele liberta-nos do ídolo que criamos e chamamos de deus.

3.      Jesus liberta-nos da escravidão familiar. Jesus não se deixou escravizar pela família e exige dos seus discípulos liberdade em relação a família (Lc 14.26-28).

4.      Jesus liberta-nos da religiosidade. É interessante que Jesus frequentou o templo, as sinagogas, mas nunca se deixou prender pelos líderes religiosos dos seus dias. Ele pensava por Ele mesmo e mostrou às pessoas o verdadeiro sentido da adoração a Deus.

5.      Jesus liberta-nos dos preconceitos sociais. É interessante vê-lo a conviver com publicanos, zelotas, recebendo leprosos, prostitutas. Ele olha para o ser humano como ser digno de respeito e que deve ser amado e respeitado pelo que é.

6.      Jesus liberta-nos do poder político. Ele é livre para dizer o que pensa e não tem medo dos políticos dos seus dias. Nem se deixa seduzir pelo jogo político Ele agia livremente[2]

Entendendo agora o que é ser livre e sabendo do que fui livre, tenho que reflectir a questão da consagração. Ela surge como o desejo de entregar-me a algo ou alguém. Consagrar é o acto da pessoa se dedicar ao serviço de Deus. Sendo assim, como posso viver uma vida de consagrada em comunhão com Deus desfrutando da minha liberdade?

1 – A consagração me faz viver uma vida livre, mas responsável. O nosso texto fala de liberdade e o facto de ser livre implica não se deixar ser dominado por nada. Paulo mostra-nos que nossa liberdade faz com que tenhamos uma relação séria com o Senhor.

O Senhor nos chama para viver uma vida responsável, entendendo que há um novo paradigma para cada um de nós. Este paradigma inicia-se com a realidade da cadeia alimentar. Devemos lembrar que Paulo era judeu e um judeu não comia determinados tipos de alimentos e ele mostra que na liberdade que há em Cristo este padrão não tem sentido. O Senhor já havia dito isto a Pedro (Act 10.1-23). Estamos livres, mas o viver deve ser feito com responsabilidade.

Somos livres dos nossos desejos. Livres das nossas manias e precisamos viver a vida com responsabilidade e intimidade com o Senhor. Este facto faz com que vivamos a vida de modo responsável e reflexivo para que não nos deixemos aprisionar por nada neste mundo.

O texto nos mostra que em nossa liberdade devemos optar por fazer uma dedicação total ao Senhor porque fomos comprados por Ele. Ele nos comprou com um objectivo específico. O Senhor que nós o glorifiquemos em todos os aspectos das nossas vidas.

2 – A consagração me faz ter um relacionamento exclusivo com o Senhor. Deus é exclusivo. Ele não partilha-nos com ninguém. Ele não aceita pedaços. Ele deseja uma relação íntima, pessoal e exclusiva.

É interessante ver que o texto declara que o nosso corpo é para o Senhor. Não é para ser dedicados aos prazeres carnais. Não é para ser dedicado à mentalidade hodierna do prazer pelo prazer. Nosso compromisso é com o Senhor e se eu me consagro a Ele, devo ter uma relação exclusiva com Ele. O motivo que Paulo apresenta é o facto de sermos morada de Deus. O Senhor habita em nós. Sendo assim, Não podemos utilizar os nossos corpos dissolutamente. Não podemos utilizar os nossos corpos de modo que desagrade ao Senhor.

Paulo afirma que somos o templo do Espírito Santo. Somos morada de Deus. Ele habita em nós e quer exclusividade.

Se olharmos atentamente para o texto veremos que Paulo fala da consagração ou da entrega como um casamento. Vejamos o que diz os versículos 16-17: «Ou não sabeis que o que se une com à meretriz, faz-se um com ela? Porque como foi dito, os dois serão uma só carne. Mas, o que se une com o Senhor é só um com ele». Casamento só é casamento com relação sexual. Quando acontece a junção de corpos se dá o casamento. Não é uma celebração que realizamos na igreja e muito menos um contrato civil. É através da relação sexual. É por este motivo que dizemos que sexo só dentro do casamento, porque é a relação sexual que valida o casamento e nos faz um com o outro.

Paulo segue a dizer que nossa relação com o Senhor é uma relação matrimonial. Ele afirma que somos um com Ele e confesso que muitas vezes não temos consciência da profundidade desta declaração.

Não estou dizendo que somos Deus. Não estou defendendo o panteísmo. Mas que não conseguimos atingir a profundidade desta declaração de sermos um com o Senhor. É algo único, exclusivo. É casamento e Paulo utiliza esta metáfora. Quando escreve aos Efésios ele afirma que a igreja é noiva de Cristo (Ef 5.22-33). João também utiliza a imagem da noiva preparada para o seu noivo (Ap 22.17).

Estamos unidos ao Senhor e nada nem ninguém nos pode separar dele. Quando decidimos nos consagrar a Ele, não podemos voltar atrás. Ele não aceita divórcio. Ele se faz um connosco. Ele nos enxerta a Si próprio (Jo 15.1-5; 17.21).

Nossos corpos pertencem ao Senhor. Estamos unidos a Ele e devemos glorifica-lo em nosso corpos e em nossas atitudes. A questão é: Como podemos glorificar a Deus em nossos corpos?

      Glorificamos a Deus em nossos corpos através da dança (Êx 15.20-21; 1 Sm 30.16; 2 Sm 6.14.21; Sl 149.3; Sl 150.4; Jr 31.4, Lc 15.25)

      Glorificamos a Deus através da nossa expressão corporal. (Sl 47.1; 28.2). Não é ser obrigado a bater palmas, obrigado a levantar as mãos, mas como uma atitude autêntica pessoal.

      Glorificamos consagrando nossa vida ao Senhor (Rm 12.1-2)

      Glorificamos a Deus preservando nosso corpo livre da prostituição (1 Co 6.12-20)

O que vemos neste texto é que precisamos rever toda nossa teologia sobre o corpo. O corpo é bom. Ele faz parte do ser. Somos um todo indissolúvel. Toda a manifestação do nosso ser dá-se no corpo. E é bom notarmos a ênfase que Paulo dá na ressurreição do corpo. Iremos ressuscitar no corpo. E nossos corpos continuarão a ser para o Senhor.

Sem aprofundar-me neste tema da ressurreição quero apenas utilizar a ideia que Manuel Rainho utiliza quando fala da ressurreição ao falar de 1 Coríntios 15.39-44. Ele afirma: «Esta profunda visão ‘materialista’, ou melhor, ‘fisicamente corpórea’ não encontra eco na sociedade Ocidental que normalmente não consegue entender estes textos e acaba por os deturpar. A ênfase aqui é no corpo e um ‘corpo espiritual’ segundo os judeus não era ‘puro espírito’, ao estilo grego, mas um novo tipo de corpo físico, tal como a carne dos homens era uma, a carne dos animais era outra, assim como a dos peixes e das aves, segundo um modo fenomenológico de descrever a realidade.”[3] (Rainho, 2010) Sendo assim, a ressurreição de Jesus aponta para a nossa própria e mostra-nos que continuaremos a adorar ao Senhor no corpo.

3. A consagração acontece como fruto da consciência que tenho do que Cristo fez por mim. Os versículos finais afirmam que somos santuário do Espírito Santo. Ele habita em nós. Não somos de nós próprios. Não nos pertencemos.

Quando tenho consciência deste facto, consagro-me ao Senhor. Faço-o por saber o que Ele fez por mim. Entendendo o alto preço que Ele pagou por minha vida.

Será que sabemos quanto valemos? Quanto é que vale à tua vida?

O Real Madrid pagou 93 milhões pela transferência do Cristiano Ronaldo. O Futebol clube do Porto pagou 11 milhões pela transferência de João Moutinho. O valor da rescisão do contrato do Hulk é de 100 milhões. Quanto é que tu vales?

Eu valho o mesmo que estes jogadores, não em valor monetário, mas em vida. Eu e tu e eles valemos a vida do Criador. Jesus pagou o preço pelas nossas vidas (Rm 6.23; 1 Co 6.20). Ele comprou-nos porque nos ama (Rm 5.8).

Nós valemos a vida de Jesus. Nós temos valor. Precisamos entender que não somos pessoas desprezíveis. Jesus pagou o preço por nossas vidas e ao fazer, valorizou-nos, deu-nos dignidade. Quando entendemos esta realidade e entregamo-nos a Ele nos tornamos filhos de Deus.

Quando compreendo esta realidade e consagro-me a Deus, Ele vem fazer morada em mim. Ele me faz sua habitação. Gosto muito dos livros de Nikos Kazantizakis e no seu livro irmãos inimigos ele afirma que «os céus e o universo não bastam para conter Deus. E no entanto, o coração do homem é suficiente para contê-lo.” Ele vem habitar dentro de nós. Ele se faz um connosco.

Somos propriedades de Deus. É por este motivo que o chamamos de Senhor. Quando nos comprometemos com Jesus, não é apenas com o Salvador, mas também com o Senhor. Ele é o Senhor. Sendo assim, quando tenho consciência do que Cristo fez por mim, dedico minha vida a Ele e aceito que Ele seja o Senhor da minha vida. É Ele quem deve ser o centro das nossas atenções.

Guisa de Conclusão

Consagração: fruto da nossa liberdade e comunhão com Cristo.

Quanto mais caminho com Cristo, quanto mais comunhão tenho com Ele, mais entendo o que Ele fez por mim, mais desejo dedicar-me a Ele e ser livre de mim mesmo.

O Senhor nos libertou do pecado para vivermos para Ele. Isto só é possível se tivermos consciência do que Ele fez e se nós nos consagramos a Ele.

O Senhor deseja viver um relacionamento íntimo e profundo connosco. Ele deseja ser visto em nossas atitudes interiores e exteriores.

Consagrarmo-nos ao Senhor é lutar contra o pecado. É viver uma vida livre e saudável sem se deixar aprisionar pelas coisas.

É compreender que temos valor. Valemos a vida de Jesus. Sendo assim, glorifiquemos ao Senhor em nossas vidas.

Consagremo-nos a Ele.

Pr. Marcos Amazonas

[1] CAVALCANTI, Robinson. Igreja: Comunidade da Liberdade – Editora Vinde, SEPAL, Niterói, São Paulo, 1989

[2] Para uma melhor abordagem destas ideias que não são minhas, mas sim fruto de minhas pesquisas desejo sugerir a leitura de alguns livros: Jesus, homem livre de Christian Duquoc, A utopia possível: em busca de um cristianismo autêntico e A Igreja, o país e o mundo de Robinson Cavalcanti e por último para não ser maçante Excelentíssimos Senhores de Rubem Martins Amorese

[3] RAINHO, Manuel. O misterioso Jesus, - GBU Portugal, Lisboa, 2010

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