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Missão Integral e o seu conceito de “justiça social” (Parte 2)


(Observação: Para melhor compreensão desta segunda parte, por favor, não deixe de ler a primeira do artigo neste link).

Os teólogos da Missão Integral não fazem tantas críticas econômicas como a Teologia da Libertação, mas quando fazem não diferem muito dos seus pares católicos. Não que a Missão Integral, baseada em Lausanne, seja a versão protestante da teologia católica latina, mas quando falam em economia o discurso é quase igual.

Exemplo disso são as críticas à economia liberal proferidas pelo teólogo equatoriano René Padilla, quando parte considerável dessas análises é mais sobre uma caricatura panfletária do que se entende sobre liberalismo econômico, capitalismo e globalização. Os fatos sempre são vítimas da ideologia.

Ricardo Gondim, por exemplo, lamenta que a teologia da Missão Integral tenha sido tímida nas críticas “ao domínio econômico de agências internacionais que financiavam o Movimento Evangélico” [1]. No fundo, Gondim usa uma linguagem tipicamente anti conspiratória contra um suposto domínio mundial de uma ideologia liberal. Mera fantasia igualmente ideológica. A crítica econômica é igualmente fraca.

A base da crítica econômica é a ideia de igualitarismo casado com o coletivismo do Iluminismo francês contra o individualismo das teorias econômicas do Iluminismo inglês. Tal base sustenta, inclusive, a propriedade que os latinos tomaram como aqueles que se importam com a miséria alheia. Sendo mais discurso do que prática.

Igualitarismo

Seria a igualdade um valor de justiça social? Essa pergunta pode soar estranha, pois a palavra igualdade está associada às boas práticas e elevada moralidade. Desigualdade não é o tipo de palavra bonita e poética. Como alguém poderia ser contra a igualdade? A ideia de igualdade é central para o entendimento econômico-social da Teologia da Missão Integral latino-americana.

Uma sociedade justa não é igualitária? Absolutamente não. Sociedades igualitárias estão sempre casadas com o totalitarismo. Interessante como a palavra igualdade tem uma conotação positiva, quando a própria raiz etimológica traz a ideia de falta de liberdade e imposição. Segundo o Dicionário Houaiss a palavra igualdade tem raiz latina (aequálìtás,átis) e significa: “qualidade do que é igual, uniformidade, proporção; paridade, semelhança”.

Como conseguir uniformidade sem uma grande dose de coerção? O igualitarismo é uma doutrina e uma “atitude daqueles que visam estabelecer a igualdade absoluta em matéria política, social, cívica; teoria que sustenta a igualdade absoluta dos homens”. Como doutrina é utópica. E como utopia não é praticável e nem realista. O igualitarismo é de fato autoritário em seu cerne.

“Oficialmente, contradições não existem na mente dos cidadãos das democracias populares” [2], assim escreveu o prêmio Nobel de Literatura, o lituânio Czeslaw Milosz, sobre as ditaduras do Leste Europeu. Ele chamava ironicamente esses governos autoritários de “democracias populares”, já que todos os ditadores se apresentam com uma retórica populista. Na “igualdade” não há espaço para “contradições”. Sem “contradições” não há democracia.

Isso não quer dizer que os defensores da igualdade sejam necessariamente autoritários. Não se podem demonizar os possuidores de um sentimento tão nobre, mas igualmente ingênuo. O que muitos igualitários ignoraram são as consequências práticas de suas ideias.

Mesmo um filósofo ligado à esquerda francesa, como André Comte-Sponville, reconhece que igualdade econômica é uma utopia ineficaz:

Do ponto de vista econômico, outro sistema estritamente igualitário, seria melhor? É duvidoso. Se ninguém pode se enriquecer, para que trabalhar mais e melhor que o mínimo obrigatório? Por que querer superar-se, se não se pode superar os outros? Por amor? Por generosidade? Por senso cívico? Vamos parar de sonhar! Uma sociedade igualitária, supondo-se que possa permanecer como tal tem toda chance de se tornar uma sociedade de pobres e, sem dúvida, como Mandeville e Voltaire viram, uma pobre sociedade. [3]

Mesmo a proclamada “igualdade de oportunidades” desembarca na boçalidade. Como é possível que todos tenham uma educação de Havard ou Yale? Infelizmente tão desejo não é sustentável. As oportunidades do industrial de sapatos são diferentes do empresário do rumo tecnológico. Agora, seriam necessários subsídios pesados do Estado para um produtor de sapato que pela falta de inovação perde o mercado importador? Tentar a igualdade nesse caso é apelar para a injustiça.

O escritor sul-africano Anthony Daniels resume bem esse fato em uma análise:

A desigualdade, longe de ser uma anomalia, é uma pré-condição da justiça e do sentido. Isso não quer dizer, claro, que qualquer desigualdade específica possa ser defensável. Quer dizer apenas que a existência da desigualdade enquanto tal não pode por si só ser tomada como símbolo da injustiça. [3]

Soa estranho para quem sempre associou justiça com igualdade, mas o fato é que toda nação desenvolvida é uma nação desigual. Mas o pobre norte-americano é muito diferente de um pobre no interior do Equador. Só em Cuba, Coreia do Norte e outras nações igualitárias que não há um dos seus cidadãos, tirando a elite estatal, entre os mais ricos da revista Forbes. Sempre produção todos sofrem com o desemprego e a falta de inovação tecnológica. Por exemplo, são os bilhões da indústria farmacêutica que permitem investimentos para a descoberta de novos remédios daquelas doenças antes incuráveis. O Estado é incapaz de gerir tanto investimento sem corrupção e pesados impostos.

A economia em uma sociedade justa não pode ter medo de produzir riquezas. O Estado tem o seu papel regulador bem moderado, mas é na iniciativa privada que há capacidade de aumentar a prosperidade por meio da liberdade. A democracia, ou seja, a liberdade política e a liberdade econômica são os dois lados da moeda para justiça social de fato.

De nada adiante igualdade se essa igualdade (e sempre é) seja da pobreza. Cuba, como dito, é um país igualitário, ou seja, todos são pobres, com exceção da cúpula do Partido Comunista, como Fidel Castro, um dos governantes mais ricos do mundo. Essa é a consequência lógica de uma ideologia.

Uma tremenda ingenuidade

É ingenuidade pensar que a globalização queira pobreza para sustentar a sua riqueza. Uma economia que queria depender da pobreza alheia para o seu sustento está fadada ao fracasso no longo prazo. O brilhante teólogo católico Joseph Ratzinger entendeu isso bem ao expressar em sua encíclica:
Há que considerar errada a visão de quantos pensam que a economia de mercado tenha estruturalmente necessidade de uma certa quota de pobreza e subdesenvolvimento para poder funcionar do melhor modo. O mercado tem interesse em promover emancipação, mas o fazer verdadeiramente, não pode contar apenas consigo mesmo, porque não é capaz de produzir por si aquilo que está para além das suas possibilidades; tem de haurir energias morais de outros sujeitos, que sejam capazes de as gerar. [4]

O crescimento econômico da pobre China (em renda per capita) é um exemplo disso. Estima-se que desde sua abertura econômica a China tirou mais de 400 milhões da pobreza extrema. É bom lembrar que em algumas regiões da China ainda é comum comer sapos, pois era o único alimento em tempos de miséria promovida pelo tirano Mao Tsé-Tung. Quem ganha com o aumento da riqueza na China ou na pobre Índia? Os chineses, os indianos e os exportadores dos países ricos europeus ou emergentes, como o Brasil.

É provável que quando a China se tornar um país de renda média, em um futuro próximo, pressões sociais serão maiores para uma abertura democrática, o que pode beneficiar até mesmo a expansão do Evangelho pelo país mais populoso do mundo. O pobre ficando rico na China, óbvio, é bom para o já rico exportador alemão. A pobreza para sustentar riqueza é uma ideia pobre e uma análise rasa da globalização.

Assistência social dos países “consumistas”

Quando se estuda a história da assistência social verifica-se a vanguarda norte-americana. Não é necessariamente o Estado, mas sim organizações privadas que trabalham com assistência em tragédias. Grande parte dessas organizações são cristãs. O país tem uma estrutura incrível de amparo aos pobres em todo o mundo. Quando aconteceu a grande tsunami asiático, em dezembro de 2004, que atingiu principalmente a Indonésia, era comum o comentário no país muçulmano que os “infiéis” ajudavam mais os indonésios do que os “irmãos” das ricas nações árabes do “ouro negro”.

Os Estados Unidos, longe de ser um país pleno, são um exemplo de país que provam ser a assistência ao pobre algo muito além das teias do Estado, mostrando até mais eficiência pelas canais privados. Os demonizados “consumistas do norte” são, de fato, os mais generosos em assistência social. No Brasil, onde todo mundo é “social”, não há tradição de doações. As grandes universidades americanas vivem de doações, mas aqui é uma atitude que simplesmente que não existe. Mas o legal que todos os acadêmicos brasileiros amam o “social” no discurso...

As igrejas pentecostais nas favelas das grandes cidades já fizeram muito mais pelos pobres do que Comunidades Eclesiais de Base como todo o seu discurso contra o “sistema” e ligação com partidos “populares” que estão no poder. Isso é um fato. Infelizmente, as igrejas pentecostais também coligaram com esses “partidos populares”, não pela ideologia, mas pelo pragmatismo. É até difícil saber qual será a opção pior, se a ideologia ou o pragmatismo.

A “mania de vítima” dos latinos

A crítica econômica de teorias latinas também é cultural, ou seja, muita baseada no papel de vítima. Tudo é culpa do outro. Toda incompetência política-econômica é justificada contra o “império”. Os latinos, brasileiros inclusos, são apegados em explicações históricas como justificativa dos males presentes.

Tal mania de perseguição dos latinos contra o “império” já afeta até mesmo o Brasil. É cada vez mais crescente um sentimento anti-brasileiro em países latinos. Em países como a Bolívia e até o desenvolvido Uruguai, o Brasil é visto como imperialista. Pasmem, mas é verdade. Há países, como o Equador, negando até investimento de multinacionais brasileiras, em fortes discursos nacionalistas, que simplesmente perpetuam a pobreza do país, já que empregos deixam de ser criados.

O choque de realista

O teólogo Wayne Grudem traz um choque de realismo óbvio: a pobreza diminui com geração de riqueza:

Creio que a única solução a longo prazo para a pobreza do mundo são os negócios. Isso porque os negócios produzem bens e geram empregos. E continuam a produzir bens, a gerar empregos e a pagar salários ano após ano. Portanto, se virmos algum dia soluções a longo prazo para pobreza do mundo, creio que elas ocorrerão mediante o início e a manutenção de negócios produtivos e lucrativos. [6]

É uma contradição querer combater a pobreza do mundo, como todos querem, e ao mesmo tempo combater o cerne da geração de riqueza em nome de ideologias igualitárias. A Bolívia, por exemplo, tem um grande campo estatal com um minério raro. O governo nacionalista e ideológico, apoiado por intelectuais dessa mesma estirpe, simplesmente não aceita investimento estrangeiro no campo. Enquanto isso, um povo miserável vive entre um rico minério que poderia gerar emprego e renda. Nessa região todos são igualmente pobres.

Conclusão

Quando a Teologia da Missão Integral discutir economia que tal discussão seja inteligente e que case com os fatos. Que a Missão Integral não seja mera repetidora de clichês do nacional-desenvolvimentismo, corrente econômica usada pelos governantes populistas que buscam na irresponsabilidade fiscal a base de sua popularidade. E o pior: ainda são tidos como sociais, sendo que as suas atitudes geram mais miséria.

Gutierres Siqueira

Referências Bibliográficas:

[1] GONDIM, Ricardo. Missão Integral. 1 ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2010. p 136.

[2] MILOSZ, Czeslaw. Menta Cativa. 1 ed. Osasco: Novo Século Editora, 2010. p 64. 

[3] COMTE-SPONVILLE, André. O Capitalismo é Moral? 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p 148. 

[4] DANIELS, Anthony. Os dilemas da igualdade. Dicta e Contradicta, São Paulo, n 06, pp 86-96, dez. 2010. p 94.

[5] RATZINGER, Joseph. Caristas In Veritate. 2 ed. São Paulo: Edições Paulinas, 2009. p 61-62.

[6] GRUDEM, Wayne. Negócios para a Glória de Deus. 1 ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010. p 70.

4 comentários:

Erika Mauricie disse...

Parabéns pelo texto

Modelo de igreja para os nossos dias disse...

Parabéns pelo blog. Gostei.É informativo, atual e demonstra segurança.

Anderson Fábio disse...

Muito obrigado pelos comentários, isso nos fortalece a continuar batalhando pela verdade!

leonardo oliveira dos santos disse...

Não entendi muito bem mas gostaria muito que a igreja vive-se assim: "Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um." (Atos 2:44-45).Acho que era o principio q Jesus ensinou nos seus milagres.

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